sábado, 4 de junho de 2011

(2011/332) Lições de Losurdo em "Nietzsche, o rebelde aristocrata"


1. Eis uma lição que eu aprendo com Losurdo - e, espero, definitivamente, quero dizer, que não caia, no futuro, no erro que caí.

2. Losurdo mói e desconstrói a recepção "inocente" de Nietzsche no século XX - mas, deixa claro, o que teria acontecido quase que somente na Filosofia. Historiadores, ele assevera, sempre souberem de quem se tratava, quando se tratava de Nietzsche. Mas a família dos filósofos, religiosamente, ele diz, liturgicamente, criaram, é ele ainda a dizê-lo, um Nietzsche à sua imagem e semelhança, lavado de toda a sua crudelidade e aristocracia. Os filósofos europeus, ingleses, estadunidenses, a despeito dos historiadores, tornaram Nietzsche, por via da metáfora, um filósofo libertário, admirável...

3. Essa foi a leitura que também eu fiz do filósofo - que, por isso, aprendi a admirar. Tomei Nietzsche como um crítico da religião - apenas isso! -, e minhas críticas coincidiam com as dele (não, não as aprendi com ele - reconheci-me nelas). Mas, isso eu não sabia, ele faz a sua crítica à religião em dois níveis - a) quando se trata de pôr-se sob ela, coisa que ele nega, dada sua estatura aristocrática, ele a destrói (ao fim da vida, reconstrói-a em outros termos: calvinistas, eu diria); b) por outro lado, todavia, ele a recomenda como freio e redil para a "chandala". Os textos que me causavam admiração eram aqueles em que ele falava da religião para si, e nos quais reivindicava autonomia. Pondo-me no lugar dele, ratificava sua crítica, porque também me assumia como livre e independente. Mas ele talvez me considerasse parte da chandala...

4. Minha leitura, contudo, sempre foi indireta. Lia por meio das traduções - nem sempre boas. Iniciei há muito tempo um projeto, abandonado, de tradução. Ali, é verdade, já me deparei com problemas, que, todavia, contornei ao estilo dos filósofos, pratiquei a hermenêutica da inocência. Não sei se o tempo me curaria, se eu capitularia diante do evidente. Confesso que devo menos aos outros do que a minhas próprias leituras a interpretação que fiz. E, no entanto, hoje aceito o veredicto indireto de Losurdo: li Nietzsche errado. Muito, muito errado.

5. Losurdo afirma, inclusive, que culpar a irmã de Nietzsche pela sua assim então tomada como cooptação nazista é, acima de tudo, um erro de leitura histórica. E dá duas razões incontestáveis. À direita e à esquerda, antes de a publicação póstuma de suas obras, por parte de sua irmã, sua recepção já era a recepção dura, digamos assim, "protonazista", de modo que não seria necessária a conspiração de Elizabeth para termos um Nietzsche cruel, aristocrata, escravagista, eugenista, elitista. Segundo: a própria biografia que sua irmã lhe escreve disfarça justamente sua crueldade, de modo que não se justifica que se possa usar essa obra para justificar que tenha sido ela a responsável pela "invenção" de um Nietzsche hipnotizado pela eugenia. Elizabeth tornou-se bgode expiatório, diz Losurdo, e um mau bode, menos pior, contudo, do que aqueles que a trataram assim.

6. Segundo Losurdo, filósofos do século XX, entre eles, Folcault e Vattimo, afastando-se da história, puderam inventar para si um Nietzsche sob encomenda. Da mesma forma, recusando que as suas palavras tenham fundamento no real - a hermenêutica não deve satisfações, eles dizem! -, puderam dizer o que lhes veio à cabeça - vento ao vento. Também Ginzburg já escreveu sobre isso. O século XX odeia a história - ou será o europeu, homem de pecados históricos terríveis?

7. Mas o que eu aprendi é: não falar mais de autores com base em declarações de terceiros. Não posso me meter a falar de Hegel, se eu mesmo não ler Hegel e, mais do que isso, em seu tempo, reconstruindo-o concretamente, historicamente. Ler Hegel, mas fazer de Hegel um cristão batista histórico-crítico brasileiro, melhor não lê-lo.

8. O que me traz à idéia uma vantagem em meu trabalho de exegeta. Minha leitura do Antigo Testamento difere bastante da de teólogos - mas teólogos são sempre maus filólogos... Difere também de alguns historiadores, de alguns exegetas. Tenho contra mim isso. Mas tenho a meu favor o fato de que leio o Antigo Testamento diretamente - e na sua língua! Se eu estiver sendo bem sucedido em minha leitura do Antigo Testamento, sem intermediários, talvez eu esteja, mesmo, conseguindo voltar no tempo. Minha afirmação, por exemplo, de que, lá, naqueles rolos antigos, criação não se refere ao Universo, nem ao Planeta, mas tão-somente à própria terra de Israel, sua terra, suas cidades, seu templo, de um lado estarei me afastando enormemente da teologia, mas, por outro lado, quem sabe?, não estarei, de fato, compreendendo aquela gente tão historicamente quanto Losurdo nos faz compreender Nietzsche? Acho que farei bem em concentrar-me no Antigo Testamento como minha especialidade - ainda que, assim, corra o risco de tornar-me desinteressante para os dias atuais. Dias de metáforas, dias de brincar de ilusão como de sonhos da alma... Novo nome para a fraude histórica.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

2 comentários:

Jones F. Mendonça disse...

Osvaldo,

É a primeira vez que ouço alguém (de peso) discordando da versão que afirma ter sido Elisabeth, irmã de Nietzsche, a responsável pela manipulação seus escribos em benefício da ideologia nazista (e fascista).

Nietzsche ainda seria Nietzsche, mas sua reputação ficaria manchada. O flósofo da suspeita deixou discípulos bem treinados...

Peroratio disse...

Jones, não fica pedra sobre pedra. Em 1.200 páginas, a hermenêutica da inocência é reduzida a princípio de prazer (Freud), em recalque da realidade - Faucoult, aliás, confessa-o, sem vergonhas. Metáfora, redução da história a nada. É uma obra absolutamente fantástica. Se eu não me fizera teólogo, queria ter sido ou biólogo ou historiador - e, se historiador, da família de um Losurdo, de um Ginzburg. Há certas filosofias, e certos filósofos que, como o próprio Nietzsche dizia, melhor não lê-los.

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