domingo, 5 de junho de 2011

(2011/333) De novo, ainda, a polêmica em torno do livro didático "Por uma Vida Melhor" - pronunciamentos da ABRALIN e da ALAB


1. Meu amigo Leonardo manda-me um e-mail, no qual consta texto publicado em O Jornal do Brasil, por meio do qual o articulista desce o malho no livro didático "Por uma Vida Melhor", chegando ao "lugar comum" da direita - dizer que a defesa de "erros" no livro é uma tática para tornar cult a fala de Lula, uma conspiração para fazer os brasileiros falarem "errado" como o Lula falaria... Deus do céu! É muita criatividade! Como se Lula quisesse isso, como se precisasse disso... Primeiro, complô para todos os brasileiros virarem gays - agora, complô para todos falarem igual ao Lula.

2. Não preciso dizer que detestei o texto. Detestei-o. É, de cabo a rabo, preconceituoso. Mas sei que muita gente há de gostar. Decerto, não pelo assunto em si, porque dá provas de não entender nem chus nem bus do assunto, e, se entende, fez questão de desentender. Mas hão de gostar porque aproveita para tacar pedras em Lula, e há quem adore esse esporte "político", muito civilizado e "correto"...

3. Então, faço o seguinte: transcrevo o artigo desengraçado e - em todos os sentidos - equivocado, e, imediatamente, como a evitar, rápido, o risco de um resfriado, transcrevo o artigo de linguista da UNICAMP, pondo o artigo do JB em seu devido lugar. Ao final, transcrevo o posicionamento da Associação Brasileira de Línguística (ABRALIN), que parece deixar claro quem está "certo" e quem está "errado" nessa história.

4. Acho que todos devem ter o direito de expressar suas idéias. Mas, em casos assim, tudo devia resumir-se a "não gosto do Lula" (direito certo e garantido) e "não gosto de que se diga que se pode dizer 'os livro'" (conquanto, no dia a dia, a gente use esse registro gramatical). Agora, posar de entendido, para destilar maus humores... convenhamos.

Livros pra inguinorantes

por Carlos Eduardo Novaes


Confeço qui to morrendo de enveja da fessora Heloisa Ramos que escrevinhou um livro cheio de erros de Português e vendeu 485 mil ezemplares para o Minestério da Educassão. Eu dou um duro danado para não tropesssar na Gramática e nunca tive nenhum dos meus 42 livros comprados pelo Pograma Naçional do Livro Didáctico. Vai ver que é por isso: escrevo para quem sabe Portugues!

A fessora se ex-plica dizendo que previlegiou a linguagem horal sobre a escrevida. Só qui no meu modexto entender a linguajem horal é para sair pela boca e não para ser botada no papel. A palavra impreça deve obedecer o que manda a Gramática. Ou então a nossa língua vai virar um vale-tudo sem normas nem regras e agente nem precisamos ir a escola para aprender Português.

A fessora dice também que escreveu desse jeito para subestituir a nossão de “certo e errado” pela de “adequado e inadequado”. Vai ver que quis livrar a cara do Lula que agora vive dando palestas e fala muita coisa inadequada. Só que a Gramatica eziste para encinar agente como falar e escrever corretamente no idioma portugues. A Gramática é uma espéce de Constituissão do edioma pátrio e para ela não existe essa coisa de adequado e inadequado. Ou você segue direitinho a Constituição ou você está fora da lei - como se diz? - magna.

Diante do pobrema um acessor do Minestério declarou que “o ministro Fernando Adade não faz análise dos livros didáticos”. E quem pediu a ele pra fazer? Ele é um homem muito ocupado, mas deve ter alguém que fassa por ele e esse alguém com certesa só conhece a linguajem horal. O asceçor afirmou ainda que o Minestério não é dono da Verdade e o ministro seria um tirano se disseçe o que está certo e o que está errado. Que arjumento absurdo! Ele não tem que dizer nada. Tem é que ficar caladinho por causa que quem dis o que está certo é a Gramática. Até segunda ordem a Gramática é que é a dona da verdade e o Minestério que é da Educassão deve ser o primeiro a respeitar.

____________________________________________________________


Eppur, si muove

Sírio Possenti


Eppur...

Freud disse que o homem sofreu três feridas em seu narcisismo: a descoberta de que a Terra (portanto, o homem) não está no centro do Universo, a teoria da evolução das espécies (não fomos criados diretamente por Deus) e a descoberta do inconsciente (fatores que não conhecemos nos "determinam").

Talvez se possa dizer que a antropologia e a linguística produziram outra ferida em nosso narcisismo. Descobriu-se que não é verdade que as sociedades que foram qualificadas de primitivas não tinham leis ou regras. Assim, não há "primitivos": eles não viviam nem vivem como bichos (não têm fé, nem lei, nem rei...). Também não é verdade que as línguas "deles" são simples. Eles não grunhem! Eles falam seguindo gramáticas complexas e outras complexas regras "contextuais". Só a total ignorância pode manter erros vulgares como estes (que, para muitos, continuam válidos não só para os primitivos, mas também para o povo).

Nas últimas semanas, ouviu-se troar a idéia de que estaremos perdidos porque se aceita "os livro" e "os menino pega" (não se sabe de onde tiraram o verbo "aceitar" para casos assim). Os que pensam que dizem "os livros" (a forma representa metonimicamente uma língua) acham que os outros não pensam (mas não citam fonte alguma sobre as relações língua/mente). Ora, tem sido constante a demonstração de que se pode pensar independentemente de línguas ou dialetos. A filosofia e a ciência elaboradas em diferentes línguas o demonstram há séculos. E as numerosas traduções o comprovam - apesar de algumas traições (que, às vezes, melhoram o original). Pensar não depende de pingar um "s" aqui e um "r" ali (o que se demonstra todos os dias).

O venerável Dines proferiu duas barbaridades em programa recente na TV: igualou escrever certo a escrever bem (citava Otto Lara Resende) e disse queOs livro põe em risco a compreensão. Tenho certeza de que Dinnes compreende os livro. Não estou "aceitando", estou dizendo que é uma forma com sentido e que um sujeito como ele certamente a compreende. Insisto: errou feio quando traduziu "escrever bem" por "escrever "certo". O angu nada tem a ver com as alças.

A peste que a lingüística "leva" (Freud afirmou que estava levando a peste aos EUA, quando foi lá fazer suas conferências) provoca engulhos nos que pertencem à nossa elite intelectual, porque falariam certo (mas não falam: eu ouço alguns deles todas as semanas, na TV; outros, esporadicamente; outros, conheço ao vivo).

Os que disseram que a Terra girava segundo leis diferentes das que constavam nas "gramáticas celestes" da época foram ameaçados com a fogueira pelos que tinham certeza de que sabiam como era o mundo. Também houve muitas perseguições a defensores das teorias evolucionistas. Os linguistas não correm riscos idênticos, claro (imagino!). Por enquanto, só estão sendo ameaçados com manuais bem leves e listas de erros (é "em domicílio"). Pelo menos por enquanto.

"Eles" pensam que a mudança da língua acabou. Que, finalmente, o português completou seu ciclo, ficou "certo". Até "etimologistas", que listam exatamente mudanças (que não explicam), acham que a língua parou de mudar agora. Estava esperando por eles! Eppur, si muove.

Esquerda?

A burrada das burradas foi a insinuação de o tal livro seria a defesa da fala "errada" de Lula. Ora, este tipo de estudo se faz há 200 anos, desde as gramáticas históricas, logo seguidas pelos estudos de dialetologia e pela escola variacionista. Muitos brasileiros escreveram sobre o tema bem antes dos atuais lingüistas (mas ninguém conhece a bibliografia!!).

Outros acharam que as posições "em favor" da variação linguística são de esquerda. Ora, não são! Se lessem Economia das trocas linguísticas, de Pierre Bourdieu, ou a Introdução à sociolinguística, de Marcellesi, por exemplo, veriam a diferença (mas eles não lêem!). Os "esquerdistas" chegam a detestar os estudos variacionistas. Consideram-nos funcionalistas, vale dizer, burgueses.

Por que defender esta abordagem, então? Porque ela permite que os estudos de língua cheguem pelo menos à era baconiana. (Francis Bacon é o nome do autor do Novum Organon, um filósofo dos XVI-XVII. Não é toucinho defumado).

____________________________________________________________



Polêmica em relação a erros gramaticais em livro didático de Língua Portuguesa revela incompreensão da imprensa e população sobre a atuação do estudioso da linguagem.

A divulgação da lista de obras aprovadas pelo Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD) para o ensino da língua portuguesa na Educação de Jovens e Adultos (EJA) provocou verdadeiro celeuma na imprensa e comunidade acadêmica sobre a aprovação de obras com “erros” de língua portuguesa.

Frases como “Nós pega o peixe”, “os menino pega o peixe”, “Mas eu posso falar os livro” e outras que transgridem a norma culta, publicadas no livro Por uma Vida Melhor, aprovado pelo PNLD e distribuído em escolas da rede pública pelo MEC, causaram a indignação de jornalistas, professores de língua portuguesa e membros da Academia Brasileira de Letras (clique para ler o texto completo).




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio