quinta-feira, 26 de maio de 2011

(2011/310) Porque não se levou a sério, ainda (levou?) o fato de o pensamento ter origem biológica e física - sobre uma tarde na UFRJ


1. Acabo de chegar da UFRJ, Rio de Janeiro, onde participei, a convite, de uma mesa sobre o tema "O IMAGINÁRIO MEDIEVAL SOBRE O ALÉM: REFLEXÕES INTERDISCIPLINARES E COMPARATIVAS". Tenho algumas palavras para registrar.

2. Primeiro, deixar disponível o texto que redigi para o evento e não pude ler. Ele pode ser lido aqui:

Osvaldo Luiz Ribeiro (Faculdade Unida de Vitória)

Não se trata de um artigo para publicação em revista/livro - ainda. O que eventualmente se publicará nos anais será elaborado para tal. Um artigo escrito para publicação torna-se grande demais para ser lido em mesa - com efeito, um dos mesários leu um texto por (quase?) uma hora! Naturalmente que o texto não foi escrito com vistas ao evento. O meu foi, e sofrerá alterações (basicamente, créditos) para a publicação. Como está, foi redigido para a mesa.

3. Bem, em seguida, registrar que fui muito bem tratado: não esperava tanto. Convidado, passagens de avião pagas pelo evento, carro no aeroporto para me pegar, uma acompanhante, mestre pelo departamento de História Comparada, gentilíssima, uma recepção agradável por parte das doutoras responsáveis pelo evento - nesse campo, perfeito.

4. Mas houve um problema grave. Eram duas mesas, uma, às 14 horas, e outra, às 16. A primeira, com três oradores. A segunda, com quatro. A primeira atrasou. Começou 14:30. Já aí, comecei a me preocupar - não é que atrasaria: atrasaria horrores, eu já imaginei. Dito e feito.

5. Eu falaria por último na segunda mesa, depois de três falas, a minha era a quarta. Era para ter começado às 16, começou às 16:35. Em face do atraso, pediu-se aos oradores que falassem em torno de 20 minutos... O primeiro, quase (?) 40. A segunda, (quase?) uma hora. A terceira, 30 minutos cravados. Moral da história, o evento era para terminar às 18 - mas essa foi a hora que recebi a palavra. E depois ainda haveria a sessão de perguntas! Mas eu tinha de sair antes das 18:30, por causa do voo já marcado...

6. Enquanto o tempo passava, e os oradores liam, sem cortes, o que planejaram, "esquecendo-se" de quem falaria depois - e por último -, minha cabeça começava a explodir. Pensei em três possibilidades: a) ler o que escrevera, como se nada estivesse acontecendo (ou seja, entrar na onda); b) não falar coisa alguma, dado o atraso e a hora do voo; c) fazer um resumo de 10 minutos, correndo o risco do improviso. Arrependo-me da decisão que tomei. Fiz o resumo.

7. Não podia ler, porque eu tinha que pegar o avião, e o carro me pegaria às 18:20. Acabou atrasando e me pegou às 18:30, mas eu estava certo - não daria para ler... Alternativamente, eu podia ter feito o correto: ter dito que, em função do atraso, seria mais conveniente que eu não falasse. Mas temi que as organizadoras, gentis que foram, interpretassem como uma deselegância de minha parte, já que daria a entender que o atraso fora culpa da organização.

8. Moral da história - fiz o que por pior podia ter feito para mim: resumi minha fala. Por que errei? Bem, porque as seis falas anteriores foram - todas - sobre visões de religiosos medievais sobre anjos, demônios, Deus, fim do mundo, descrições historiográficas sobre um tema muito restrito. Eram todos historiadores, alguns, cientistas da religião, mas, todos, interessados em iluminuras e visões do céu. Eu, bem, meu tema fora aprovado pela organização, mas, ali, não apenas pelo tema, pelo recorte, mas principalmente pela abordagem, era eu um peixe fora d'água. Eu precisava de tempo. E não tinha. E errei em aceitar falar em 10 minutos.

9. Falei. Duas reações. A primeira, de uma deselegância atroz. O cavalheiro não me dirigiu uma pergunta - disse que o que eu dissera estava errado, e citou Kant. Podia ter dito o mesmo, e ser gentil e elegante. Não foi. Tomou-me por um desavisado qualquer. Questionou, ainda, uma referência a Habermas (essa, fruto tão somente de meu improviso/resumo, porque não consta do texto que eu leria]). Pois bem, Kant e nada é a mesma coisa para meu tema. Foi o que disse, em outras palavras. Não sei por que se traz Kant a essa discussão, logo ele, que trouxe Deus de volta ao mundo, por via do imperativo ético categórico - uma ética divina! Citou-se Heidegger na contra-resposta. Heidegger, eu disse, o primeiro, já não chegava nem perto do meu tema, quanto mais o segundo. E, ao cabo, o cavalheiro diz que meu discurso era pós-moderno - eu só pude rir, confesso, de nervoso e perplexidade... Será que eu dissera tantas besteiras que o cavalheiro me tomara por um pós-moderno? Eu? Um pós-moderno? Eu acabara de dizer que não tiramos as consequências necessárias de se ter dito que a vida é um fenômeno material, biológico, não "celeste", não "divino", de modo que, se o pensamento tem fundamento biológico, não se pode falar, como se fala, de uma dicotomia matéria/pensamento e de uma incompatibilidade epistemológica entre ambos, e o cavalheiro me toma por um pós-moderno? Mas eu não tinha nem mais tempo nem jeito mais para falar mais nada, e as pessoas tinham de fazer perguntas para os demais mesários... todos ciosos de seus tempos...

10. A outra questão que me foi proposta, e, dessa vez, com a elegância própria para o contexto: foi se a perspectiva marxista não representaria uma resposta à minha questão: o marxismo leva a sério o fato de que o pensamento é material. Não podia responder à altura. Não havia tempo. Mas eu diria que o fato de se ser "ateu", isso nada tem a ver com a suposição do fundamento biológico da consciência e do pensamento: as Ciências Humanas são metodologicamente atéias, e quais delas leva a sério o fundamento biológico do pensamento? Todavia, ouvi da postulante que precisamos continuar a conversa, porque ela dá pano pra manga. E é verdade...

11. Fui retirado da mesa, porque o carro que me levaria ao aeroporto chegara e eu corria o risco de perder o voo. Minha cabeça queimava, e, agora, três horas e meia depois, ainda ferve. Devia ter decidido não falar nada. Pelo menos se a causa de o cavalheiro, tão afoitamente, me "confrontar" sem nenhuma delicadeza foi alguma inépcia de minha parte em me expressar adequadamente em 10 minutos. Porque, se o problema é de entendimento do cavalheiro, nem que eu tivesse lido cem páginas teria obtido sucesso em lhe fazer entender que considerar o pensamento como próprio da matéria nada tem a ver com "realismo" ou "empirismo", já que Newton fora empírico e realista, mas cuidava que a alma era de Deus e o pensamento, quase-divino, Prigogine que o diga.

12. Moral da história - da próxima vez, agradeço, conto uma piada, recolho meu certificado para o lattes, e não corro o risco de passar por uma situação constrangedora dessas. E eu nem sei quem é o distinto cavalheiro...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

PS. Bel levanta a hipótese de que o cavalheiro seja um "crente", reagindo, de forma confrontativa, às declarações para ele próximo-atéias de um "racionalista crítico": não é alma que pensa, é o cérebro. Pode ser: se ele é um crente confessional e próximo-fundamentalista, pode ter sentido a necessidade de defender a fé. Estávamos mesmo em um ambiente propício, depois de ouvirmos tanto de anjos e demônios, apocalipses e visões... Será? Se for, fui um ideita maior ainda, permitindo-me debater... Mas tomei-o por um acadêmico...

3 comentários:

Felipe Fanuel disse...

Ótimo debriefing! Na prática docente, esta é uma atitude nobre. É sempre necessário ter consciência daquilo que não funcionou bem.

Um abraço.

Prisca disse...

Poxa, que pena.
Triste, lamentável, terem perdido (assim como eu) sua fala que SEMPRE nos incomoda, provoca, "mexe lá dentro" e fica sempre em nossa cabeça algumas questões.
A UFRJ tem me consumido demais.
Minha vida parou, Bruninha e eu estávamos planejando de ir, mas... o cansaço de nós duas falou mais alto.

De toda forma, parabéns!
Não imagino você saindo sem dizer nada, como disse que fará na próxima vez: agradecendo e contando uma piada!
Pelo pouco que o conheço, ou melhor, pela imagem que faço de tua pessoa, jamais teria o seu curriculum como prioridade,
uma das coisas que mais admiro é o seu compromisso com o conhecimento, com a ciência, não se venderia.

Parabéns! :)

Prisca disse...

Eu tentei ler o "artigo", mas...
Não tenho a permissão? :/

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio