quarta-feira, 18 de maio de 2011

(2011/295) De Vitória para a Estrasburgo - como assim, a navalha é de Ockham?


1. Senti o fio da navalha - e não foi a de Ockham! Não sei, Jimmy, se você reagiu ao meu primeiro texto, postando sua "navalha" antes que eu chegasse a postar a minha reação a seu e-mail, aquele que você me mandou em reação àquele meu primeiro post, em que eu comentava as recentes declarações de Hawking sobre a existência de Deus. Seja como for, seu post é bem maior - e mais provocador - do que o e-mail que me mandou. Maior e mais "provocador" - usarei receber assim seu post: uma provocação...

2. Acabo: a) ou de ser expulso da (sua definição de) mística moderna, b) ou de ser reprovado no exame de admissão para a abadia dos "místicos modernos", c) ou de ter sido, enquanto "místico moderno", flagrado em "comportamento indigno": eu - fora ou desejando ser um místico moderno, deveria calar-me diante da profundíssima expressão - honesta, você o diz! - de Hawking, o triste. E não me calei - blasfemo! Logo se vê, não é um místico moderno!, ou é, mas réprobo! Não está à altura! É verdade... Mas, você sabe, tudo isso é embromação minha. Vamos ao ponto. Aos pontos.

3. Seu parágrafo um: meu amigo, a razão não dá conta de fazer o que você diz que Hawking fez e (só) podia ter feito. E, se você está certo, se entre honesto e lúcido, Hawking manejou as ferramentas da razão, insisto, meu amigo, não foi, todavia, a razão que o fez cansar e afirmar, peremptoriamente, que não há Deus, nem vida além, nem essas coisas. Insisto: a razão não sabe nada sobre isso. Saber, mesmo, nem a fé sabe. A fé crê - e crer não tem nenhuma relação com o saber. A ciência, sim, "sabe", mas, desse assunto, dos assuntos "de Deus", aí não há como saber, nem ela nem a fé. De modo que nisso estão juntas: de um lado, a fé, que acha que sabe, mas não sabe é nada, e, de outro, a ciência, que não pode saber. Logo, Deus não é assunto para conhecimento - é assunto para contos, poesia, dogmas, normas: a seu gosto - política ou estética. Hawking se meteu numa dessas arapucas, em em visgo de passarinho, em laço de passarinheiro... Não?

4. Gostaria, então, que você demonstrasse como foi possível para a ciência revelar a Hawking que Deus não há. Foi num espectroscópio de massa que ele o flagrou? Ou: nós achávamos que o CERN ia encontrar a partícula de Deus - e, voilà, foi melhor sucedido? Ou, ainda, como o Pequeno Príncipe em seu bólide sideral, Deus foi flagrado cavalgando o 2005 YU55, que passará entre a Lua e a Terra daqui a pouco? Que Hawking cansou; que ele se deixou convencer; que saiu "de cima do muro"; que achou que dava para fechar a conta, vá lá. Mas que ele auferiu as comprovações da ciência, vamos lá, meu amigo, revela-mas... Não, não as tem ele, e nem as terá você, nem as terei eu. Deus, se há, está fora desses assuntos de laboratório, equações e telescópios. Se há... em todo caso... Mas esse será que?... resolve-se como? Insisto: heróica (é possível) a posição de Hawking (numa cadeira de rodas!) - mas o heroísmo não estabelece a verdade, apenas (eventualmente) a nobreza.

5. Queria citar Morin. Mas não vou. Entretanto, se algum dia desejar, está lá, explicadinho: a ciência não é a Teologia realizada, nem os cientistas, os sacerdotes da vez! Ciência é o olhar humano superando os limites humanos - até os limites do humano... Mas não vou mais citar Morin.

6. "Sobre a comparação de Hawking e Ratzinger, acho apressado e equivocado" - a navalha se aprofunda na carne. Não "os" comparei. Comparei, por meio deles, teísmo e ateísmo. Nem ia escrever Ratzinger - ia escrever Fanini. E podia ter dito Dawkins ou Saramago (que, aliás, já comentei). Mas Ratzinger é mais "universal". Veja os ingleses, que inventaram o deísmo. Ao sabor de um chá das cinco, resolveram chegar a um bom termo entre monarquia parlamentarista (uma rainha com primeiro ministro) e teologia. Está bem, eles disseram: deixemos Deus lá, que mal não faz, mas consideremos que ele está a cuidar de outros jardins, mas não dos nossos. Do outro lado do Atlântico, ex-ingleses, agora estadunidenses, dirão: Deus cuida de nós! E, voltando, agora, para o Velho Mundo, Hawking (e Dawkins!, e Saramago!, e Dennett!) retruca(m) - Deus?!, mas de que é que vocês estão falando?! Diga-me, Jimmy, onde há mais "razão" aí? No heroísmo de Hawking - um niilista moderno? Um "místico moderno"? Não será... projeção estética?

7. Nesse último parágrafo seu, que, imagino, tenha escrito no sabor de mais do que Procol Harum, que aprecio muito, vai aí uma afirmação pesada, que tomo como "provocação": "para um físico moderno, o único enunciado racionalmente válido é que temos diante de nós o "nada". Nada mais! A atitude mais digna de um místico moderno seria olhar no fundo dos olhos tristes de Hawking e se calar".

8. Primeiro: tudo dependerá de o que significa a palavra "racionalidade" para você. Qualquer discurso sobre o "outro lado", assumindo-o, negando-o, não tem parte com o "real" (conquanto possa ser habermasianamente/weberianamente "racional"). Não posso concordar, pois, que o único enunciado racionalmente válido para um físico moderno seja esse. Esse "nada" que você põe aí diante dele sequer está lá, necessariamente, porque esse "Nada", dito assim, "Nada", o outro lado do "Ser", a outra coisa que não Deus, mas na mesma dimensão profunda, esse "Nada-quase-Deus", Jimmy, só está lá para quem cuidava, antes, que lá estivesse o próprio Deus. O Nada é uma experiência de resquício, é a brasa de São João na manhã seguinte - mas, se você não acendeu a fogueira, Jimmy, olha lá, não há brasas das seis horas! Cadê o que tinha que estar lá? Não está lá? Então lá está o Nada! Mas, agora: não tinha que haver nada lá... e, se não há, nada mais corriqueiro... Quanta diferença para quem olha!

(um aluno me conta: ele e um grupo de ecologistas vão até uma serra aqui no Estado. Uma serra magnífica - um céu ecológico. Encontram um residente, a pôr cercas de farpados. Entrevistam-no: o que acha de morar nesse paraíso... E ele: o quê?, essa ribanceira do c***? Percebes? Para uns, céu de ecologia, para outros, ribanceira do c***. O "Nada" é "Nada", com essa dimensão profunda, para uns; para outros, uma ribanceira do c***).

9. Ou seja, você faz de Hawking um (como que) (ex) crente/cristão que acaba de descobrir que Deus não está lá, e lhe bate um "vazio", agora, diante do "Nada" - devotíssima descoberta criptocristã!, sacrossantíssimo silêncio quase-(quase?)-eckhartiano! Será essa, mesmo, a experiência interna desse homem a que nos referimos tão de longe? Não sei. Resta-me a estrutura do discurso: um cientista que me fale sobre Deus, enquanto cientista, com todo respeito, foi além das sandálias - de modo que o discurso de Hawking não cabe na boca de um físico - e quem o pronuncia não é o físico, mas o homem, vai ver corajoso, nu, assumindo que não crê. Não crê. Mas tampouco sabe. Não é porque "sabe" que não crê - não crê porque "não quer" crer, "não pode", cansou, acha mais "racional" e "lógico" não crer. Sabe de estrelas, de buracos-negros, de quasares. Disso, sabe. De Deus, não. Nem pode. Talvez tenha avançado demais nas especulações (um risco da Física teórica!) e tenha se deparado com "a" Especulação, sacudido a cabeça, e dito pra si mesmo: não, essa não!, essa é miragem dos olhos, fada dos contos... E vai ver é. Mas, cá entre nós: físicos, ficai no "vai ver..."!

(e, por favor, não sabe ele, não sabe Barth, não sabe Ratzinger, não sabe o pastor, não sabe o padre, não sabe a ovelha - nem o cabrito -, não sei eu, não sabe você - não sabe ninguém - e, a propósito, tampouco os teólogos pós-modernos [dentro os quais não me incluo] e suas metáforas muito úteis).

10. Agora, meu amigo, você ter desejado, recomendado, que eu me calasse diante de um "triste" Hawking... Por quê? Não sei nem se triste ele é. O que sei é que ele disse algo que não pode ser dito (por um físico enquanto físico). Não foram suas declarações sobre Física que analisei - foi sua declaração teológica! Eu "bato" nos meus amigos teólogos, quando se metem a querer falar sobre Deus, por que me calaria diante de um físico? "Bati" em Tillich! Por que pouparia Hawking? Certamente que o discurso ficaria mais compreensível na boca de um teólogo de profissão, prestidigitador dos mitos racionalizados, mas, cá entre nós, de que se vestiu Hawking para dizer que Deus não existe? De Físico?

11. E eu que pensava que havia me sobrado a mística. Mude de música, Jimmy - caso contrário não me sobra mais nada...





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

2 comentários:

Robson Guerra disse...

Oi, Osvaldo

Quanto tempo, hein?!

Tô com saudades... (Viram, posso falar "Tô" em vez de "Estou", sim, senhor...rsrsrsrs)

Pois bem, um físico moderno pode, sim, chegar a uma conclusão bem diferente da de Hawking.

Numa entrevista a Márcia Peltier, Marcelo Gleiser, físico - e moderno - ao ser perguntado sobre Deus, disse que não acreditava, porém, era agnóstico e não ateu - como Dawkins. Isso por conta de seu rigor científico: não podia afirmar algo que não pudesse ser verificado ou refutado cientificamente. Então, em relação a existência ou não de Deus, Gleiser admitia que não podia afirmar nada, pois não tinha como saber.

Bem lúcido, não?

Robson Guerra

Peroratio disse...

Sim, sim...
É estranho que se possa ter chegado à situação de não poder afirmar que algo que dizemos existir a partir da fé não existe fora da fé - mas não podemos considerar que se pode projetar, inferir que, se não encontramos deuses no particular, não os há no geral. A ciência é "agnóstica" porque os deuses foram inventados no andar não-físico. Simples assim. Não é assunto científico - ponto. Agora, a fé, essa sim, é.

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