quarta-feira, 18 de maio de 2011

(2011/292) Da razão e de seus limites - comentário a respeito de um e-mail de Jimmy sobre o post anterior


1. Jimmy me manda um e-mail que, em resumo, diz duas coisas sobre o (meu) post anterior: "bom texto" e "tenho cá minhas dúvidas". O "bom texto" constitui aquela peça de cortesia e cavalheiridade próprios dos franceses... O e-mail está na última parte, nesse "tenho cá minhas dúvidas".

2. E elas se dão por conta desse argumento: "O Hawking se pronuncia a partir de uma elaboração de enunciados que foram sendo gestados a partir de um longo caminho de uma ciência que só pode levar ele a concluir o que concluiu. Não existe uma outra conclusão para uma razão que desmontou até o ultimo átomo da natureza humana. Diante dessa razão, e ela é a unica coisa que temos, só sobra o amontoado de pó". E, então, arremata: "Então, acho, que não é uma questão de fé".

3. Bem, se considerarmos a razão o diálogo crítico com o "real" - pensamento em relação agônica com a Tabela Periódica (sei que há uma tendência contemporânea de se tratar a razão como discurso inter-subjetivo, mas não uso o termo razão nesses termos), não há como afirmar que as pesquisas em qualquer ramo da ciência - inclusive a Física - determinem peremptoriamente pela inexistência de Deus, de vida após a morte, da alma... Se Hawking decidiu, é porque cansou de deixar os malabares no ar, e os pôs sobre a mesa.

4. Os limites da Física - e das ciências - é o real. O mítico/metafísico está fora da alçada das ciências. Sim, no Universo não há o céu cristão - não mesmo! Mas desde Platão se "sabe" que esse céu está lá fora, e num lá fora que não coincide com a inflação deste nosso Universo. Sim, desde Darwin se podia apostar que o pensamento humano, a mente humana, é feita de carbono, e que, quando este perder a vida, aquele desaparece. Mas desde Platão se "sabe" que a alma é um ser estrangeiro - não é deste mundo. Parece que alguém que teria ido até o céu, numa dessas viagens de astronautas, teria dito que não viu Deus lá...

5. Ora, mas se Deus não é material, não é deste mundo, só não podia é ser encontrado mesmo - se fosse, teria disso uma desgraça para a fé! Quem me lê, por favor, não vá me tomar por um apologista barato - nem por um apologista caro! Não faço apologia aqui. O que quero dizer é que a ciência não tem palavra alguma a dar sobre alguma eventual realidade supra-física (da mesma forma, mesmíssima, como a exegese não prova a inexistência ou existência de Yahweh!). Sobre o conteúdo objetivo da fé tal qual a animam ingenuamente os catecismos, aí sim: é o corpo quem pensa - e, quando o cérebro parar de funcionar, o pensamento desaparece. Mas isso não quer dizer que não haja algo lá fora, depois...

6. A fé está fadada a ser isso - crença, aposta. Mais nada. Nenhum grau de melhoria logrará com qualquer argumento racionalizador. Deus estará sempre lá fora - e, se entrar no jogo, deixa de ser o que se diz que é. A ciência está fadada a lidar apenas e tão-somente com o real enquanto real: assim, se encontra Deus por aí, Deus é uma beterraba... "Se encontrares Buda, mata-o". A ciência será sempre agnóstica, cética. Não será nem teísta, nem ateísta, nem deísta. Será cética, agnóstica. Mais nada. "Deus", para a ciência, só em Fenomenologia (da Religião)...

7. Não. Nenhuma das informações que Hawking tem "decide" a questão da fé. Ele, em sua subjetividade pulsante, decidiu - porque cansou. Ah, acreditem, já tive meus momentos de cansar - e não foi olhando estrelas: foi desconstruindo verso a verso as Escrituras! Mas não é possível saltar para a crença ou a descrença a partir da ciência, da pesquisa. A racionalidade impõe uma e uma única conclusão no campo metafísico/mítico: não há como saber... Se as coisas são como se diz que são, só a fé, positiva - sim! - ou negativa - não! -, decidirá a questão.

8. Eu até admito que as informações que vamos elaborando sobre o Universo, sobre o Homo sapiens, sobre a História nos dão garantias de afirmar que os conteúdos positivos da fé - aqueles que Barth toma por "revelação" - são, todos, invenções humanas, políticas, culturais. Mas disso o sei até enquanto teólogo: não é bem a Física a mo dizer. Todavia, não posso, por isso, e com isso, acrescentar, como conseqüência necessária: logo, não há nada lá fora, nem ninguém. Posso? Não. Salvo, se quero. Se quero, digo. E, se digo, quem haverá de desmentir-me? Não, certamente, a ciência - nem tampouco um cientista...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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