
1. Pôr-se ao túmulo ao lado de uma obra sua - e sequer saber disso... Mas, para nós que o sabemos, de que sentido se revestiria o gesto? Saramago foi cremado em Lisboa, e teve depositado a seu lado uma de suas obras - Memorial do Convento.
2. Li Memorial do Convento. Chorei no arremate, na última página, segurando o frasco das vontades de Sete-sóis. Pus-me ao lado de Blimunda, como, de resto, me tinha posto em todo o livro. Blimunda arrancou-me horas e horas de leitura.
3. Curioso - demorei a conseguir passar das primeiras páginas do romance. Tentei por umas três vezes. Um dia, olhei para a capa, refletindo sobre o fato de que ali estava um Nobel, e que, vencida a dificuldade, eu só teria a ganhar. Consegui atravessar o auto de fé das páginas iniciais e, quando me deparei com Blimunda a exconjurar o cidadão real, bruxa louca, não parei mais. Mulher de carne e osso aquela Blimunda.
4. Soube agora que Pilar del Rio, viúva de Saramago, "apaixounou-se" pelo romancista após ler Blimunda. Não foi meu caso. Eu conhecia já uma Blimunda, Bel, de modo que o que mais me chamou atenção na heroína era o fato de que eu conhecia uma Blimunda.
5. No final, chorei muito. De tristeza por Sete-sóis e Blimunda. O modo como Saramago conta a história, como nos envolve, foi uma experiência hierofânica - porque, no fundo, eis aí o sentido - ou a falta de sentido! - da vida: amar. Eu estava febril, acometido de uma gripe muito forte, estava no sul da Bahia, em condições adversas, era carnaval, uma D-20 cheia de mineiros bêbados batera em meu Gol, e a história que se seguiu foi romanesca... Mas terminei a leitura assim, no meio de muita tensão e febre. Talvez isso tenha me deixado mais sensível do que o normal.
6. Seja como for, eu depositaria, agradecido, Memorial do Convento, como foi feito. Há outras obras magníficas do Nobel - O Evangelho Segundo Jesus Cristo - definitivo; A Jangada de Pedra - surrealista; Todos os Nomes - encantador. E outras: Levantado do Chão, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Objeto Quase. E Caim, que não li. Mas Memorial do Convento paira, absoluto, sobre os demais romances. Foi uma homenagem dolorida de Pilar, que parece ter escrito palavras das quais nunca saberemos, antes de depositar a criatura ao lado do criador, que, agora, queimam juntos, a despeito da memória eterna que sobreviverá em nossas retinas. Na minha, certamente.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Li Memorial do Convento. Chorei no arremate, na última página, segurando o frasco das vontades de Sete-sóis. Pus-me ao lado de Blimunda, como, de resto, me tinha posto em todo o livro. Blimunda arrancou-me horas e horas de leitura.
3. Curioso - demorei a conseguir passar das primeiras páginas do romance. Tentei por umas três vezes. Um dia, olhei para a capa, refletindo sobre o fato de que ali estava um Nobel, e que, vencida a dificuldade, eu só teria a ganhar. Consegui atravessar o auto de fé das páginas iniciais e, quando me deparei com Blimunda a exconjurar o cidadão real, bruxa louca, não parei mais. Mulher de carne e osso aquela Blimunda.
4. Soube agora que Pilar del Rio, viúva de Saramago, "apaixounou-se" pelo romancista após ler Blimunda. Não foi meu caso. Eu conhecia já uma Blimunda, Bel, de modo que o que mais me chamou atenção na heroína era o fato de que eu conhecia uma Blimunda.
5. No final, chorei muito. De tristeza por Sete-sóis e Blimunda. O modo como Saramago conta a história, como nos envolve, foi uma experiência hierofânica - porque, no fundo, eis aí o sentido - ou a falta de sentido! - da vida: amar. Eu estava febril, acometido de uma gripe muito forte, estava no sul da Bahia, em condições adversas, era carnaval, uma D-20 cheia de mineiros bêbados batera em meu Gol, e a história que se seguiu foi romanesca... Mas terminei a leitura assim, no meio de muita tensão e febre. Talvez isso tenha me deixado mais sensível do que o normal.
6. Seja como for, eu depositaria, agradecido, Memorial do Convento, como foi feito. Há outras obras magníficas do Nobel - O Evangelho Segundo Jesus Cristo - definitivo; A Jangada de Pedra - surrealista; Todos os Nomes - encantador. E outras: Levantado do Chão, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Objeto Quase. E Caim, que não li. Mas Memorial do Convento paira, absoluto, sobre os demais romances. Foi uma homenagem dolorida de Pilar, que parece ter escrito palavras das quais nunca saberemos, antes de depositar a criatura ao lado do criador, que, agora, queimam juntos, a despeito da memória eterna que sobreviverá em nossas retinas. Na minha, certamente.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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