sábado, 1 de maio de 2010

(2010/356) Do Homo hermeneuticus


1. O que eu considero um exemplo de relatório de pesquisa em linguagem poética:

A. Se a tarefa for realizada a contento, ter-se-ão descrito, então, três partos – o ginecológico e físico, o hermenêutico e mental e, então, esse púbere e cosmogônico. Sim, cosmogônico, porque é destino de cada homem, de cada mulher, de cada um dos filhotes de Homo sapiens sapiens – na condição de Homo sapiens hermeneuticus – fundar um mundo. E viver e morrer nele. Só. De dores. E de amores.

B. A essa segunda tarefa, deve-se seguir uma terceira: a descrição das instâncias pragmáticas da atuação do sujeito hermenêutico no ecossistema-mundo. Via a ótica do “contexto” semantizante, Pierre Lévy norteará o caminho, que seguiremos pari passu a um Jean-Marc Ferry e seu conceito de interação pragmática, abrindo caminho pelas trincheiras heurística, política e estética. John Huizinga cavou, com boa pá, uma razoável profundidade, mas ainda há bastante trabalho à espera. Nem que seja para carregar entulhos. Nisto a ciência da arqueologia e a arte da escultura são irmãs – tirar entulhos. Parla!

C. Por enquanto, contemplemos nosso Homo hermeneuticus. Era, o quê?, um feto apertado de líquidos e róseas paredes, o quê?, não tem mais do que um punhado de meses atrás. Saiu de lá, tragicamente – quem acreditaria, se lhe contasse? É, agora, um filhote de carbono vivo – uma criatura auto-organizada, um sistema complexo adaptativo “aberto”. Ele é quente e viscoso. Um saco corpóreo de líquidos. Foi concebido – não concebeu-se – e foi parido – não pariu-se. E, contudo, agora, deve manter-se vivo. Por isso está aberto – sem que sequer tenha, ainda, a noção do que isso significa. Vive das energias que são físico-químicas, que lhe vêm de fora, mas sequer sabe disso. Porque é, ainda, uma coisinha indefesa, um pedaço quente de risco. A única coisa que quer é a mama. E mama. Ah, Freud...

D. Enfiou-se por entre as pernas da mãe, e saiu de lá Deus sabe como. Aqui fora, um processo novo começa a engendrar-se. Uma pele mental começa a recobrar todo o seu corpo, por meio das sensações e do prazer, teimosos, que, insistentes, vão e vêm, continuamente, desenhando sua silhueta psíquica, recortando-o como à tesoura. De início, imperceptivelmente, muito lentamente, até que, num belo dia, como se fora um outro parto, outras pernas, outra abertura, lá vai ele, enfiando-se pela ruptura, e, ai, tragédia – racham-se ele e o não-ele, um no outro, um pelo outro.

E. Segundo nascimento. De novo, sem conteúdo. Somente estruturas potenciais, maquinário físico-biológico estrutural e estruturante, fermentações psicológicas profundas. Desabrocha a flor da consciência. Carnívora, exibe, impudica, sua intimidade de três pétalas – cognição, volição, afeição –, e vai com ela devorar o mundo. Arrasta-se, lentamente, a lesma hermenêutica sobre sua gosma, preparando-se para a cosmogonia fraca, prenúncio daquela que, o quê?, daqui a dez?, onze?, doze anos?, vai converter-se na demiúrgica manifestação da espécie.

F. Enquanto ele cresce, brinca. Enquanto brinca, sente. Enquanto sente, quer. Enquanto quer, sabe. Enquanto sabe, busca. Diz-se que, se você busca, encontra. Encontrará ele, um dia, o que busca?

2. Mas apenas a linguagem é poética... Para continuar a ler: O Complexo Hermenêutica e Consciência – da viscosidade úmida dos mundos, publicado em Osvaldo Luiz RIBEIRO, "O Complexo Hermenêutica e Consciência – da viscosidade úmida dos mundos", em João Cesário LEONEL, Novas Perspectivas sobre o Protestantismo Brasileiro. São Paulo: Fonte Editorial e Paulinas, 2009, p. 383-424.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

3 comentários:

Prisca disse...

Salut (oi em francês é mais charmoso:)

A cor é de Teopoética, o conteúdo relaciona-se ao ser sobrenatural e a linguagem é poética, mas o conjunto pode ser chamado de uma espécie de Teopoética(é uma pergunta-ñ consegui pontuar).

Ou nada a ver né. rsrsr

Peroratio disse...

Salut, Prisca!
Trata-se de um artigo sobre o ser humano bio-psicológico enquanto ser hermenêutico. O tom do relatório é bastante poético, mas é apenas um modo poético de divulgar o resultado de uma pesquisa.

Prisca disse...

rsrsrsrrs

Ok. obrigada

Au revoir

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