sexta-feira, 23 de abril de 2010

(2010/339) Da leitura popular da Bíblia


1. Não é que eu tenha "problemas" com a "leitura popular da Bíblia". Também não é que vá ser eu a praticá-la. Ela lá, eu cá, e estamos bem entendidos. A questão é uma apenas, isto é, a que eu quero levantar: Gramsci é quem sabe de "leitura popular da Bíblia". Não conheço um bom "animador" que não seja "muito bem" formado e diplomado - exegeticamente, até. E, no entanto, chama-se "leitura popular da Bíblia". O doutorado é alemão, mas a leitura é "popular"...

2. O quê? Se eu prefiro a catequese de direita? Mas claro que não. Mas, cá entre nós, no formato, na estrutura - ainda que não no "partido" político que se toma - não há diferença, não. Um animador de primeira linha "treina" a "leitura popular da Bíblia", escreve em manuais, faz "círculos", e os "animadores" de segundo nível "repetem" o processo. Não é lá isso muito diferente da Escola Bíblia Dominical e suas classes de professores... É que uma é de direita, e a outra, de esquerda. No mais, mesmo processo. Ele é conteudístico, e as mais das vezes, "crítico" da crítica de conteúdos...

3. Deixem-me, então, dizer porque escrevo esse "desabafo": é que os adeptos da "leitura popular da Bíblia", em lugar de se dedicarem a seu ministério missionário, ciosos da estrutura epistemológica em que operam, insistem em destratar uma exegese técnica e acadêmica - é como se a existência de quem insiste numa exegese indiciária e não-política denunciasse o artifício retórico que embasa os projetos engajados de libertação. No mais, há um resíduo mais ou menos carismático de sindrome profética e quase-sacerdotal pairando sobre a auto-compreensão engajada. Todavia, quando eu digo que não consigo mais conviver com profetas e sacerdotes, não é retórica. Daí, uma indisposição somática a tudo que me soa paternalista e messiânico.

4. Que cada misionário pregue o que cuidar ser seu dever. Mas seria bom não esquecer as orignens, não é não? Ah, e mais do que as origens, até de onde extraiu-se a "capacidade" para abrir as Escrituras...

5. Não era preciso nem ter vergonha nem despeito da exegese acadêmica, histórico-crítica, histórico-social. Bastava um pouquinho só de auto-crítica. Porque um bom intelectual orgânico há de ter, ao menos, um pouco de compresnsão histórica...

6. Não seria conveniente fazer ao povo saber que o caminho é o estudo crítico, a pesquisa histórica, a crítica dos fundamentos? Mais do que fazerem como a gente diz é fazerem como a gente mesmo fez, mais do que ensiná-los sobre Yahweh e Jesus, é ensiná-los a estudar sobre Yahweh e Jesus, com o risco, até, de eles desmontarem nosso Yahweh e nosso Jesus, quantas vezes não passam de ídolos programáticos... Enquanto esse dia não chega, pelo menos vamos chamar pelo nome apropriado as coisas que fazemos, e eu não estou nem um pouco convencido de que a "leitura popular da Bíblia" seja mesmo leitura popular da Bíblia. Tem um quê de Gramsci aí - com todas as implicações, as boas... e as ruins.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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