sábado, 20 de março de 2010

(2010/241) Tinha, sim, um abacateiro no quintal


1. Não só um abacateiro. Tinha um abacateiro - que raramente dava abacates (e por isso gosto tanto deles, Bel os compra sempre) -, um pé de mangas, que eu peguei como meu, depois que vimos Meu Pé de Laranja Lima, um pé de abio, que nunca mais vi nem comi, mas era tão bom, dois pés de goiaba, uma branca, que fazia par com a mangueira, e uma perna de três atravessada entre ambos os troncos nos permitia passar de um lado a outro, brincando, e uma vermelha, de lagartas amarelas, que marimbondos matavam, partiam, e levavam aos pedaços para suas casas nos telhados, se vovó não as queimava com bambu e chumaço de fogo. Tinha também uma ameixeira, mas não sabíamos aproveitar os frutos. Um pé de amora não era da gente, na verdade, os galhos caíam pra dentro do quintal de vovó, e a gente catava quanto podia. Também tinha o pé de colônia, as touceiras de campim-limão, as dezenas de avencas, os canteiros, as plantas, que, às vezes, eram mais queridas de vovó do que nós, a gente pensava. Aquilo, a bem da verdade, era uma floresta. Aquilo não era de verdade, não. Era uma mentira que eu inventava, mentira de subir nas árvores e achar que a vida ia ser assim eternamente. Sabe, o preço que a vida paga pra deixar a gente crescer e amar a mulher da gente é matar a nossa mentira de criança - vai, mas te mato agora! E a gente se vinga, inventando boas lembranças. Um dia isso acaba, e o pó da gente volta pra terra, isso é verdade. E a memória? Bem, se alguém as escreveu, pode-se até mentir de fazê-las verdadeiras de novo...







OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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