sábado, 9 de janeiro de 2010

(2010/015) Escrituras Sagradas


1. Penso não estar equivocado, se chego a afirmar que aqueles que consideram a Bíblia como seu "livro texto" - tanto faz tratar-se de "religião" ou de "academia" - podem ser divididos em dois grupos (eu sempre dividindo as pessoas...): a) o grupo dos que consideram a Bíblia pelo que ela teria dito e b) o grupo dos que consideram a Bíblia como um cadinho de sentidos possíveis.

2. O primeiro grupo pensa dever lidar com - seja lá o que isso signifique para cada um - "o que Deus teria dito". Na prática, assume-se que haja um sentido no texto, e que esse sentido pertence ao texto, posto lá, seja pelo/a autor/a, seja por "Deus", não vem ao caso, dá no mesmo. O segundo grupo, não. Ele considera que o sentido brota na consciência do leitor, mágico das metáforas, artista da polissemia, invetor dos significados.

3. Penso que (e, aqui, aumento o nível de dificuldade da pergunta que fiz a Haroldo, para a qual ainda aguardo resposta) o segundo grupo desmaterializa a Bíblia, porque ela deixa de ter sentido. Ela se transforma num dicionário disfarçado de texto. Mas, na prática, ela passa a significar o que o exercício de leitura faz dela. Não há, de fato, Bíblia, para os metafóricos, os poetas das Escrituras. Há, apenas, seu próprio instinto, sua arte, sua invenão... Para os críticos, a Bíblia e um sítio arqueológico. Para os metafóricos, um espelho.

4. O problema com o primeiro grupo é que ele corre o risco de errar a interpretação. E erra! Penso que - estimarei - mais de 90% das interpretações "cristãs" da Bíblia, incluídas aí as interpretações cristãs no Novo Testamento!, estejam erradas, quero dizer, do ponto de vista do que os autores de fato teriam dito. Deve-se deixar claro que, se uma denominação cristã assume como "certa" uma interpretação dada em sua Declaração de Fé, independentemente do sentido histórico/original do texto bíblico, isso faz dela um exemplo - críptico, é verdade (dissimulado) - do segundo tipo: faz-se metáfora, aí, e engana-se o fiel...

5. Há mais: o conceito de Bíblia, isto é, de cânon, e, conseqüentemente, toda e qualquer tentativa de atrelar o sentido de cada texto ao "todo" - mas o todo é um artifício! - projeta a consciência do sujeito para o reino da metáforas, das alegorias, das polissemias, da dissimulação. É fraude histórica, em relação ao sentido das passagens. Salvo, claro, se chegamos a admitir que o sentido histórico-original das passagens em si nada significa, e que a verdadeira "revelação" dá-se na alegoria desajeitada e comprometida das políticas históricas...

6. Para uma consciência histórica e crítica, não há, de fato Bíblia... Por outro lado, essa mesma consciência histórica e crítica não pode - não tem coragem para tal crime! - brincar de dizer coisas novas como se fossem velhas, de borboletear sobre palavras ancestrais, roubando delas a autoridade - é disso que se trata, afinal! Uma consciência histórica e crítica só pode cavar, ouvir, e calar-se...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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