sexta-feira, 13 de novembro de 2009

(2009/601) Considerações de calendário


1. Do século XVI até o XVIII, dá-se, no centro do mundo ocidental, a invenção do Protestantismo. Trata-se de uma "nova" - não "neo" - ortodoxia. Mas com potencialidades iconoclastas embutidas em seu DNA crítico-aristotélico.

2. Durante os duzentos e cinquënta anos seguintes, o Ocidente ver-se-á no centro de um conflito epistemológico grave: a ortodoxia católica, protestante e judaica, de um lado, debatendo-se contra o vírus crítico-emancipatório inoculado, desde a Península Ibérica, pelos árabes (Aristóteles), na veia da cultura, da arte, da ciência - da teologia.

3. A teologia racha. A Bíblia racha. A cultura começa a rachar.

4. De 1750 até 1850 eclode o império da crítica, da filologia, a concepção embrionária das Ciências do Homem, paralelamente à solidificação, desde a Inglaterra, das Ciências da Natureza. No meio do caminho, a Revolução Francesa. Eclode o Século - isto é, no quesito "crítica", o século XIX.

5. A modernidade é isso - crítica iconoclasta das tradições, da doxa.

6. Abre-se o século XX com a fúria da reação ortodoxa, começada na metade do século XIX:"eles usam os árabes contra nós", afirmará a reação contra-filológica, que (re)inventará o dissimulado método histórico-gramatical. Quer-se, por todos os meios, sepultar a crítica - Vaticano I, neo-ortodoxia, Fundamentals. Em todo lugar, no Ocidente, um "Deus morto" ainda dá as cartas... Ao menos, quer dá-las.

7. Mas a ortodoxia, o pré-moderno, o neo-qualquer-coisa, não está sozinho em sua batalha contra a modernidade crítica. Da metade do século reacionário em diante, a pós-modernidade invade a arena, também ela com seu cajado, ou melhor, seus fasers... A pré-modernidade combate a crítica com a autoridade. A pós-modernidade combate a crítica com o deboche, a dissolução retórica dos fundamentos. No fundo, trata-se do mesmo projeto - destruir todo e qualquer traço de crítica, ainda que os interesses sejam difernetes, eventualmente.

8. Resta saber o que será o século XXI. Será a consolidação da crítica moderna, da emancipação crítica do Homem? Será um retorno à autoridade, à norma, a "Deus"? Ou será a conversão de dois mil e qinhentos anos de conhecimento em mingal de nada, a vitória da retórica do não-fundamento?

9. Aí está uma batalha pela qual vale a pena lutar. Meu exército? A crítica, claro.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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