sexta-feira, 2 de outubro de 2009

(2009/506) Das implicações do "pathos"


1. Sim - é "pathos". Mais um amigo me diz, entre fraterno e categórico, que meu modo de escrever deixa transparecer uma aura de "extremismo" e de "prepotência". Que ele acredita que não, mas se trata do efeito do meu modo de escrever...

2. Sim - é "pathos". Fazer teologia, para mim, escrever teologia, escrever Bíblia, escrever exegese, não é fé, não é negócio, não é profissão. Sim, é "pathos". A despeito de eu - literalmente - viver de teologia, num seminário batista (sem outra renda - nem pastoral ou algo semelhante), o que significa que é da teologia, da Bíblia e da exegese que eu tiro meu pão, o meu e o de minha família, é a paixão que move minha mão, quando escrevo. É sob o signo do risco que opero.

3. Não é um teólogo que escreve - e um teólogo tomado de paixão. Não é um exegeta que escreve - é um exegese tomado pela paixão. Não é um biblista que escreve - é a paixão que me move.

4. O coração arrebenta de paixão. Os olhos ardem de crítica. Há algo de patológico aí - eu sei. Há um distúrbio profundo, eu sei. A normalidade cobra seu preço. A aormalidade, também. E ambos têm sus resultados. Tudo que eu não gostaria era de ser "normal", de deixar as coisas me atravessarem - eu atravesso as coisas. O mundo à minha volta "sabe" que eu estou aqui. Não dá para jogar nenhum jogo próximo de mim - é a vida nua e crua, a pele arrepiada pelo vento, e nada mais. Não há negociações, nem biombos. Não há quartos separados para nós e eles - o rigor sobre eles é o mesmo que aplico sobre nós. Aproximar-se, e ter que despir-se, ou ser despido. É cruel a minha paixão, e sei.

5. Eu sofro com isso. Eu sinto uma falta terrível - vocês não fazem idéia - de companheirismo, de camaradagem, que nunca de fato tive na vida, até hoje. Criado dentro de casa até os quinze anos, sem "colegas", só os irmãos, não aprendi esses lances rituais da amizade. Queria muito saber fazer isso. No entanto, minha paixão pela correção, pela propriedade, pela pertinência, minha exigência de rigor e coerência é maior que meu desejo de afeição. Minha paixão só se iguala à minha aversão somática às politicas corporativistas, aos trejeitos de fingir que não vê. Minha paixão é como porco - ela fuça, ela vai atrás. ada se esconde dela. Nem ninguém.

6. Que preço pago. Não me fosse Bel, talvez já tivesse ido embora. Vontade não me tem faltado.

7. No entanto, Deus do céu, o que eu digo e escrevo tem ou não tem valor independentemente de quem o diz, se é um anjo, se é um demônio, se é um lúcido, se é um louco. Mas por que só eu corro atrás do que se escreve, como porco atrás de trufas, só eu critico os textos de meus colegas - com o que eles ficam zangados e/ou indiferentes, despeitados e/ou amedrontados - e não sou merecedor da mesma dedicação?

8. Para além de uma teologia sob encomenda da igreja, para além de uma teologia burocrática de cavar no já cavado, quero uma teologia em que corre sangue, mas, ao mesmo tempo, que seja fundamentalmente da época, do século, do tempo. Minha paixão talvez me cegue. Ou, talvez, tenha me acordado. Sja como for, é uma paixão de hoje e de agora, de aqui e de cá. Sou um doente heuístico, depois de milênios de patologia estético-política.

9. Talvez haja um risco de prepotência. Sim, talvez. Eu digo que não, mas, eventualmente, nossos corações nos enganam. Mas se todo mundo quer ir pra lá, e eu insisto que se deve ir por aqui, e não por lá, "das das uma": ou estão todos certos, e eu errado, ou todos errados, e eu certo...

10. (eventualmente, todos errados! - salvo se a teologia brasileira, se a teologia, caiu no poço desgraçado da pós-modernidade indiferente, amorfa, não-fundacional, do "que se dane", de modo que não importa o caminho, importa é o barulho que se faz, o vento que sai da boca, e dá-lhe assoprar).

11. Maldade a vida me faz. Ter que escolher entre a paixão de cavar e pôr em risco as edificações milenares, a paixão iconoclasta, e o desejo de afeto. O desejo de afeto é um defeito da infância, que o homem adulto reconhece, mas que há de superar em nome do "pathos" incontrolável que o move, essa patologia irremediável que inaugura cada manhã da minha vida. Bel, quero colo.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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