1. Que nome dar a uma atitude teológica que, diferente do teísmo, não pode, não quer, não vai apontar para "deus"? Que nome dar para uma nova teologia que, diferente do ateísmo, não pode nem quer apontar para o não-deus? Trata-se, evidentemente, de uma expressão do ceticismo - mas como chamar esse ceticismo que é varado pela mística, que quer e não pode, que pode, e não quer?
2. O teísmo clássico, seja neoplatônico - Agostinho, Lutero, Barth, Pannenberg -, seja negativo - Mestre Eckhart -, seja liberal - Schleiermacher, Harnack -, seja existencialista - Bultmann - seja cripto-ontológico - Tillich -, o teísmo clássico é vontade e poder de crer e de tratar o crer como saber. Seja de modo analógico-doutrinário, seja de modo voluntarista-querigmático, seja de modo pseudo-fenomenológico, cada teólogo aponta para o que sabe e vê. Grita, eventualmente, envergonhado: "é (apenas) símbolo! é (apenas) símbolo!", mas, no fundo, é nada... ele(s) sabe(m), desmentem-nos as catequeses todas.
3. Croatto, em sua Introdução à Fenomelogia da Religião, chega a dizer (e, digo eu, equivocadamente), que o "símbolo remete ao desconhecido", quando, em qualquer situação, o símbolo remete ao conteúdo da doutrina crida, da formulação proposicional teológica formulada - você olha a cruz, e sabe, olha a pomba e sabe. Não há símbolo religioso que não aponte para uma grandeza conhecida, controlada, manipulada, seja pela fé-como-encanto, seja pelo rito, sempre, pelo sacerdote.
4. Por outro lado, o ateísmo é a negação de tudo isso, como se fosse possível negar para além do mero não querer saber. Nem o teísta sabe coisa alguma, nem o ateísta, mas fazem que sabem. Ambos, diante de uma formulação histórica - o "além -, assumem-no, positivamente, ou negam-no, positivamente... sem que nem um nem outro tenham qualquer modo de o fazer que não o mero e subjetivo voluntarismo fideísta. Para mim, há! Para mim, não há. Suprime-se o "para mim" e resta a fé: há!, não há!...
5. Tem-se que estar sumamente desinformado - a massa dos crentes - ou sumamente mal-intencionado - a massa dos administradores de crentes - para não dar de cara com a condição óbvia da humanidade inteira: historicidade radical. Somos seres de histórica, de cultura, e apenas isso. Depois de milênios de mito, finalmente perguntamos o que eram essas narrativas, e revelou-se-nos a estratégia: as religiões, os mitos religiosos, as teologias, as doutrinas, eram narrativas que inventávamos para dar conta de nossa situação no mundo.
6. No entanto, a experiência do sagrado encontra-se aquém desses mitos, desses véus. Ela é biopsicológica (Eliade, Morin) - a experiência do sagrado é um elemento da estrutura da consciência (Origens, O Método). De modo que as narrativas evaporam-se, mas a sua fonte, não. Pelo que me vejo na necessidade de pensar uma formulação teológica que dê conta da condição humana, ao menos do homem que se deu conta de sua situação alienada, fitando-se por meio das rotinas científico-humanistas dos últimos duzentos anos.
7. Um homem e uma mulher têm, dentro de si, um olhar para um além imaginado, mas possível, um delírio, mas possível. Transformar isso em fé - alienação. Negar isso - alienação. Tratar isso realisticamente/fenomenologicamente: um impulso para o além, mas apenas isso, sem conteúdo possível, sem personagens "dados". Um impulso para fora, para a "fé", que, contudo, não pode mais "crer" - mas quer. Uma fé que não quer mais crer - mas pode. Mas crer diferente. Crer descrendo. Crer sem saber. E nem crer em "algo" ou "alguma coisa" ou "alguém" - mas crer a partir e na abertura da consciência, abertura que nem se escancara na doutrina, nem se fecha no chumbo de uma condição telúrica.
8. De modo simples: olhar e "contemplar" a possibilidade do Mistério - Sem Nome. Do Inefável - Sem Forma. Do Incognoscível - Sem Rosto. Do Impronunciável - Sem Voz. Olhar para fora, a partir da compreensão desde dentro - psicológica, antropológica, sociológica, histórica, fenomenológica. Olhar para um além erótico - o Grande Atrator - sem reduzi-lo, jamais, a construtos doutrinários ou a cápsulas de fé. Uma fé biodegradável, consciente de ser produzida nas mitocôndrias do corpo.
9. Em que crês, amigo? Não sei se creio. Então descrês? Não, não descreio. Não entendo. Nem eu. Não tenho nome a dar, ainda, a isso. É uma atitude, um resíduo de cem mil anos, um milhão, filtro da compreensão humana, filtro das tradições dos povos. Há algo lá? Não sei nem se há o lá. E, então, por que olhas para lá? Porque o lá me olha. Não entendo. Nem eu. Mas entendo o processo - minha consciência está ciente de que é ela mesma quem produz essa sensação, esse Mistério, que, agora, me olha. Contudo, não é de uma natureza que se possa enxotar como a indesejáveis, xô!, xô!, mas um Peso - profundo. Talvez seja o resíduo da energia que consumimos para saltar da condição meramente animal para a de animais-homens. Ou o preço...
10. Vai ver é isso: a fé - essa - é como a radiação cósmica de fundo, vestígio longínquo, mas perceptível, da passagem de um mundo a outro, o Big Bang da consciência...
11. Mas, ainda assim, preciso de um nome para isso.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. O teísmo clássico, seja neoplatônico - Agostinho, Lutero, Barth, Pannenberg -, seja negativo - Mestre Eckhart -, seja liberal - Schleiermacher, Harnack -, seja existencialista - Bultmann - seja cripto-ontológico - Tillich -, o teísmo clássico é vontade e poder de crer e de tratar o crer como saber. Seja de modo analógico-doutrinário, seja de modo voluntarista-querigmático, seja de modo pseudo-fenomenológico, cada teólogo aponta para o que sabe e vê. Grita, eventualmente, envergonhado: "é (apenas) símbolo! é (apenas) símbolo!", mas, no fundo, é nada... ele(s) sabe(m), desmentem-nos as catequeses todas.
3. Croatto, em sua Introdução à Fenomelogia da Religião, chega a dizer (e, digo eu, equivocadamente), que o "símbolo remete ao desconhecido", quando, em qualquer situação, o símbolo remete ao conteúdo da doutrina crida, da formulação proposicional teológica formulada - você olha a cruz, e sabe, olha a pomba e sabe. Não há símbolo religioso que não aponte para uma grandeza conhecida, controlada, manipulada, seja pela fé-como-encanto, seja pelo rito, sempre, pelo sacerdote.
4. Por outro lado, o ateísmo é a negação de tudo isso, como se fosse possível negar para além do mero não querer saber. Nem o teísta sabe coisa alguma, nem o ateísta, mas fazem que sabem. Ambos, diante de uma formulação histórica - o "além -, assumem-no, positivamente, ou negam-no, positivamente... sem que nem um nem outro tenham qualquer modo de o fazer que não o mero e subjetivo voluntarismo fideísta. Para mim, há! Para mim, não há. Suprime-se o "para mim" e resta a fé: há!, não há!...
5. Tem-se que estar sumamente desinformado - a massa dos crentes - ou sumamente mal-intencionado - a massa dos administradores de crentes - para não dar de cara com a condição óbvia da humanidade inteira: historicidade radical. Somos seres de histórica, de cultura, e apenas isso. Depois de milênios de mito, finalmente perguntamos o que eram essas narrativas, e revelou-se-nos a estratégia: as religiões, os mitos religiosos, as teologias, as doutrinas, eram narrativas que inventávamos para dar conta de nossa situação no mundo.
6. No entanto, a experiência do sagrado encontra-se aquém desses mitos, desses véus. Ela é biopsicológica (Eliade, Morin) - a experiência do sagrado é um elemento da estrutura da consciência (Origens, O Método). De modo que as narrativas evaporam-se, mas a sua fonte, não. Pelo que me vejo na necessidade de pensar uma formulação teológica que dê conta da condição humana, ao menos do homem que se deu conta de sua situação alienada, fitando-se por meio das rotinas científico-humanistas dos últimos duzentos anos.
7. Um homem e uma mulher têm, dentro de si, um olhar para um além imaginado, mas possível, um delírio, mas possível. Transformar isso em fé - alienação. Negar isso - alienação. Tratar isso realisticamente/fenomenologicamente: um impulso para o além, mas apenas isso, sem conteúdo possível, sem personagens "dados". Um impulso para fora, para a "fé", que, contudo, não pode mais "crer" - mas quer. Uma fé que não quer mais crer - mas pode. Mas crer diferente. Crer descrendo. Crer sem saber. E nem crer em "algo" ou "alguma coisa" ou "alguém" - mas crer a partir e na abertura da consciência, abertura que nem se escancara na doutrina, nem se fecha no chumbo de uma condição telúrica.
8. De modo simples: olhar e "contemplar" a possibilidade do Mistério - Sem Nome. Do Inefável - Sem Forma. Do Incognoscível - Sem Rosto. Do Impronunciável - Sem Voz. Olhar para fora, a partir da compreensão desde dentro - psicológica, antropológica, sociológica, histórica, fenomenológica. Olhar para um além erótico - o Grande Atrator - sem reduzi-lo, jamais, a construtos doutrinários ou a cápsulas de fé. Uma fé biodegradável, consciente de ser produzida nas mitocôndrias do corpo.
9. Em que crês, amigo? Não sei se creio. Então descrês? Não, não descreio. Não entendo. Nem eu. Não tenho nome a dar, ainda, a isso. É uma atitude, um resíduo de cem mil anos, um milhão, filtro da compreensão humana, filtro das tradições dos povos. Há algo lá? Não sei nem se há o lá. E, então, por que olhas para lá? Porque o lá me olha. Não entendo. Nem eu. Mas entendo o processo - minha consciência está ciente de que é ela mesma quem produz essa sensação, esse Mistério, que, agora, me olha. Contudo, não é de uma natureza que se possa enxotar como a indesejáveis, xô!, xô!, mas um Peso - profundo. Talvez seja o resíduo da energia que consumimos para saltar da condição meramente animal para a de animais-homens. Ou o preço...
10. Vai ver é isso: a fé - essa - é como a radiação cósmica de fundo, vestígio longínquo, mas perceptível, da passagem de um mundo a outro, o Big Bang da consciência...
11. Mas, ainda assim, preciso de um nome para isso.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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