1. Volta e meia, nos últimos dez anos, alguém vem a público e atira pedras contra o que chamam de "liberais", de "teólogos liberais". Eu me divirto. Quer dizer, primeiro, fico aborrecido, porque se trata de uma batalha com ares de santidade - e nada há de mais sujo do que batalhas teológicas... Mas, depois que a ira passa, acho divertido, porque é absolutamente hilariante ouvir da boca de apologistas que o problema da teologia no Brasil, o problema das igrejas no Brasil, é o liberalismo...
2. Deus do céu! O que esse povo que diz isso pensa que é o liberalismo? Vejam como é controvertida a questão. De um lado, não há - não que eu conheça - nem um, absolutamente nem um teólogo liberal entre os batistas. Quem duvidar, que dê um nome: basta um. Mas que, por favor, ao dar o nome, saiba que está falando, mesmo, da "teologia liberal", aquela, do séclo XIX, início do XX, de Schleiermacher e Harnack, e não uma pseudoforma de rótulo raso e barato para falar de teólogos moderados demais para o gosto de "fundamentalistas" contrariados.
3. Um teólogo liberal clássico toma apenas a mensagem de Jesus - ou seja, o reino de Deus e a vida eterna - como "nuclear". Paulo, por exemplo, é tomado como história da Igreja, e não, como fundamento. Não há propriamente sequer uma cristologia liberal, já que Jesus não pregava o Cristo, mas o reino. Ora, que teólogo brasileiro - e, aqui, até poderia ampliar o leque para além dos batistas - é liberal, nesse sentido? Nenhum. No Brasil, a fé é Nicéia pura (mesmo quando se faz metáfora). O Jesus que o Brasil conhece é o do Credo - e mais nenhum... Liberais? Entre nos? Só na cabeça de quem se deixa servir de palavras sem ter a mínima idéia do que elas historicamente significam...
4. Por outro lado, paradoxo!, todos os evangélicos brasileiros - todos! - até esses que verboragicamente insistem em que a culpa do calapso da "fé" brasileira é o liberalismo... todos eles, todos, são liberais... Num sentido: têm, na experiência, o fundamento da fé. Isso é liberalismo puro. Perguntem, a Karl Barth, contra-liberal prostático, se ele aceita essa história de que a expriência pessoal, o "virar os olhos" no culto, o "sentir as tripas queimarem", significa alguma coisa... Nada. Para a ortodoxia, o fundamento é a doutrina, a verdade expressa na Palavra e, por isso, crida, e mais nada.
5. No entanto, ensina-se há um século no Brasil, e quanto mais "piedoso" o teólogo, mais liberal, que a experiência com Jesus, essa coisa pessoal, litúrgica, mágica, mítica - que ninguém pode objetivar, senão o sujeito que isso experimenta! - é o fundamento da fé. Que seja. Por mim, tanto faz. Mas é risível que quem o diga, os campeões dessa plataforma, liberais, pois, até os ossos, metralhem o que consideram - do que estão falando, meus Deus? - "liberalismo"... Ridículo.
6. Talvez os senhores teólogos que gostam dessa palavra, quer dizer, para, com ela, defenestrarem posturas que consideram impiedosas, pudessem dizer exatamente do que estão falando, quando usam a palavra liberalismo, acusando isso - do que estão falando, meu Deus? - de ser o culpado da situação das igrejas e de seminários... Até parece que o Evangelho raso e ralo contemporâneo é fruto de cem anos de liberalismo e crítica. Faz-me rir...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
3. Um teólogo liberal clássico toma apenas a mensagem de Jesus - ou seja, o reino de Deus e a vida eterna - como "nuclear". Paulo, por exemplo, é tomado como história da Igreja, e não, como fundamento. Não há propriamente sequer uma cristologia liberal, já que Jesus não pregava o Cristo, mas o reino. Ora, que teólogo brasileiro - e, aqui, até poderia ampliar o leque para além dos batistas - é liberal, nesse sentido? Nenhum. No Brasil, a fé é Nicéia pura (mesmo quando se faz metáfora). O Jesus que o Brasil conhece é o do Credo - e mais nenhum... Liberais? Entre nos? Só na cabeça de quem se deixa servir de palavras sem ter a mínima idéia do que elas historicamente significam...
4. Por outro lado, paradoxo!, todos os evangélicos brasileiros - todos! - até esses que verboragicamente insistem em que a culpa do calapso da "fé" brasileira é o liberalismo... todos eles, todos, são liberais... Num sentido: têm, na experiência, o fundamento da fé. Isso é liberalismo puro. Perguntem, a Karl Barth, contra-liberal prostático, se ele aceita essa história de que a expriência pessoal, o "virar os olhos" no culto, o "sentir as tripas queimarem", significa alguma coisa... Nada. Para a ortodoxia, o fundamento é a doutrina, a verdade expressa na Palavra e, por isso, crida, e mais nada.
5. No entanto, ensina-se há um século no Brasil, e quanto mais "piedoso" o teólogo, mais liberal, que a experiência com Jesus, essa coisa pessoal, litúrgica, mágica, mítica - que ninguém pode objetivar, senão o sujeito que isso experimenta! - é o fundamento da fé. Que seja. Por mim, tanto faz. Mas é risível que quem o diga, os campeões dessa plataforma, liberais, pois, até os ossos, metralhem o que consideram - do que estão falando, meus Deus? - "liberalismo"... Ridículo.
6. Talvez os senhores teólogos que gostam dessa palavra, quer dizer, para, com ela, defenestrarem posturas que consideram impiedosas, pudessem dizer exatamente do que estão falando, quando usam a palavra liberalismo, acusando isso - do que estão falando, meu Deus? - de ser o culpado da situação das igrejas e de seminários... Até parece que o Evangelho raso e ralo contemporâneo é fruto de cem anos de liberalismo e crítica. Faz-me rir...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
6 comentários:
Bom, eu, por exemplo, chamo de "Teólogo Liberal" quem adota o Método Histórico-Crítico para fazer exegese. Estou errado? Afinal, os pressupostos de pensadores como Schleiermacher e Bultmann não está ancorado no Positivismo (com o seu racionalismo) como também os pressupostos do MHC que levam a fazer uma leitura minimalista da Bíblia? Não é isso?
O problema é confundir Teologia com ética cristã, que é o que as pessoas mais fazem.
Tem muito teólogo que se diz "conservador" sendo incoerente, desonesto e safado ao passo que tem muito teólogo liberal com uma conduta em que não há dolo algum. O imaginário popular faz o contrário. "Liberal é quem bebe", por exemplo.
Eu acho que você é liberal porque você usa o Método Histórico-Crítico e é Positivista, mas a sua vida não dá margem para ninguém acusar de nada, pois até onde eu te conheço, é um cara de palavra, integro, e nem ao menos bebe!!!
E eu conheço teólogo que se diz extremamente conservador e, além de beber, faz um monte de coisa errada.
É hipocrisia. Concordo e assino embaixo em relação à sua insatisfação com a "guerra santa". Minha posição, como você já sabe, é a do equilíbrio entre as correntes. Esse é o meu sonho para todo seminário: Acho que um aluno devia ver de tudo em um seminário e depois escolher. Agora, eu acho mesmo que o MHC é um problema nas igrejas. Acho que quem se identifica com ele e o escolhe, deveria seguir carreira acadêmica e não ser pastor e levar isso para os púlpitos. Você concorda comigo, pois é o seu caso: Acadêmico e não pastor. E quando você prega, não questiona a fé das pessoas, mas as alimenta.
João, o critério que você usa para "liberal" é impróprio para o campo teológico. O Método Histórico-crítico foi desenvolvido pelo menos cem anos antes da teologia liberal. Antes mesmo da Revolução Francesa. Ele se confunde com a filologia clássica do século XVIII. Não há nenhuma relação entre teologia liberal e método histórico-crítico, senão o fato de que uma pessoa pode praticar as duas coisas ao mesmo tempo, não necessariamente.
Penso que você está afoito demais, está dizendo coisas rápido demais, algumas delas irrefletidas, coisa mesmo de "seminarista", "bicho afobado", mas inadequadas para um mestrando, de quem se exige mais reflexão e moderação.
Mas não sou eu quem vai ensinar a você. Só recomendaria que, no campo da formação teológica, já que cobra tanto de todos, que tivesse mais cuidado ao usar o termo. Acredite, João, classificar-me de teólogo liberal é, em todos os sentidos, um equívoco, e você o comete com gosto... E não é enquanto teólogo que uso o MHC: uso-o por pressuposto hermenêuticio - para mim, não há outra forma adequada de ler a Bíblia. Há outros modos, mais adequados a ideologias outras que não o tratamento da Bíblia como livro.
Já leu Hans Küng, Teologia a Caminho? Recomendo. E insisto, João: não há teólogos liberais no Brasil - nenhum que eu conheça, e nunca li uma linha "liberal" no Brasil. Talvez você devesse arrumar outro rótulo para criticar quem você critica. Chame-os, quem sabe, de moderados...
Quanto a eu não ser pastor, isso nada tem a ver com a discussão. Não sou pastor porque não gosto de gente o suficiente para ser pastor. Prefiro estudar a Bíblia, usando o MHC, do que cuidar de velhos e de crianças, aturar problemas familiares, coisas que cabem a um pastor (pastor para mim ou cuida de gente ou...). Se eu gostasse o suficiente de gente, por exemplo, mais do que da Bíblia, seria pastor. Mas gosto mais de estudar do que de gente. Não posso ser pastor. Se alguém gosta mais de Deus ou da Bíblia do que de gente, nunca devia tornar-se pastor!
Osvaldo
Ah, João, ainda esqueci de dizer que sob nenhum aspecto posso ser classificado como positivista. Não sei se você usa o termo com o sentido histórico que ele tem. Se sim, não sou nem liberal, nem positivsta. Você não é o primeiro a achar - e a dizer - que sou positivista (Ginzburg é positivista?). O que significa que há aí um problema grave, meio que comum, de termos serem empregados, como rótulos, sem que se saiba exatamente seja o que significa o nome que se usa, seja quem é a pessoa que recebe o nome.
Sou crítico (em sentido moderno), romântico (por enquanto), científico-humanista, cognitivista e adepto da complexidade. Ponto. Me definiria por meio dos seguintes teóricos: Morin, Eliade, Ginzburg, Dosse, Nietzsche. Um termo? Transdisciplinaridade.
Saquei! Então o termo mais adequado é "Moderado"! Então a oposição é "Moderado" x "Conservador"? Valeu!
Agora, positivista você é sim! Ai não tem jeito. O fato de você ser interdisciplinar e usar outros teóricos não invalida. O MHC é 100% positivista, tanto nos seus pressupostos (explicação racional) como na metodologia que usa: Investigação da verdade, objetividade, etc. Basta comparar os pressupostos positivistas com o Simian-Yofre, por exemplo. Mas você não gosta do MHG. Se você fosse da escola de Morin e Niezsthe, seria relativista e diria que ambos os métodos têm o mesmo valor! Mas como você diz que o MHG não tem utilidade e que, como livro, a Bíblia só pode ser lida pelo MHC, é uma declaração positivista. Entendeu?
Meu amigo João. Não fale isso, que você só se complica. Vá ler o Método, de Morin, e pedirá desculpas pelo que disse. Quanto a Nietzsche, não entre na fila dos desinformados - 95% de quem cita Nietzsche (mesmo "gente boa") ou nunca leu ou não entende bulufas de Nietzsche. Para dar um exemplo sobre o que Nietzche pensa sobre método: "osmétodos, cumpre dizê-lo dez vezes, são o essencial, e também o mais difícil, e também o que ha mais tepo têm contra si os costumes e a preguiça". E olha que isso está em O Anticristo (p. 126), o mais iconoclasta de seus livros. Nietsche fala até de verdade histórica (p. 81) e realidade histórica (p. 51). Definitivamente, não se lê Nietzsche...
Se agüentar o traco, sugiro ler Transformação da Filosofia, de Karl-Otto Apel. A afirmação da objetividade não se traduz em positivismo, mas em "crítica". Só falta você dizer que Marx e a Ecolha de Frankfurt são positivistas. Que Ginzburg é positivista.
Também poderia ler um Físico clássico, Michel Paty, em A Matéria Roubada. Vai ver o que ele diz do positivismo...
Não fique, contudo, de todo triste. Gente boa já caiu nesse barranco.
Mas vai lá: leia os seis volumes de O Método, de Morin, A Gaia Ciência e O Anticristo, de Nietzsce, um pouco de Apel e Ginzburg (Relações de Força) e verá que não sou positivista.
Um abraço,
Osvaldo.
PS. "moderado" não é o melhor dos termos. Ambos são conservadores, porque ambos guardam alguma coisa de Nicéia, uns mais, outros menos. Há, pois, conservadores mais ou menos "fundamentalistas" (f. The Fundamentals - http://en.wikipedia.org/wiki/The_Fundamentals e http://books.google.com/books?id=7vCTZDw0ZGsC&pg=PA150&lpg=PA150&dq=james+orr+the+fundamentals&source=bl&ots=JT14vZSEpY&sig=pl8iqHWFKtUduWohYTldE7m1GBc&hl=pt-BR&ei=5V-qSv1ulaYwhrOdxQY&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=4#v=onepage&q=james%20orr%20the%20fundamentals&f=false), ao passo que há conservadores mais ou menos "moderados", isto é, que relativizam, culturalmente, mais ou meos certas (mas não todas) as doutrinas. No funsdo, são todos confessionais, mas negociam mais ou menos o núcleo duro "inegociável" da tradição. No Brasil, pouca teologia não é fndamentalista, em sentido técnico.
Osvaldo.
Valeu pela dica. Vou ler estes livros. Daqui uns cinco anos a gente retoma o assunto!!! rs... Mas eu já me corrigi. Não direi "TL" mas "MHC". Agora, é fato que a minha posição pessoal é outra, mas não imponho a minha posição para ninguém. Que isso fique claro. Sou contra quem quer fritar alguém por pensar diferente. Eu frito a idéia. E frito quem acha que o outro não pode discordar. E creio que uma instituição deve mostrar todos os caminhos! Se eu tivesse feito "Epistemologia" com você, teria lido o Método. Faz tempo que quero ler Morin, mas o tempo para ler tudo está difícil.
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