segunda-feira, 7 de setembro de 2009

(2009/458) Respondendo ao João Neto


1. Escrevi o post (2009/454) Da apatia, e João Neto julgou oportuno "reagir" (cf. os comentários do post citado). João Neto é graduando em Teologia na FABAT (Faculdade Batista de Teologia) e mestrando em História pela UFRJ. Diz-se de esquerda - politicamente falando. Talvez eu tenha lido ele me dizer, em algum lugar, que, teologicamente, é mais conservador. A rigor, o ser mais ou menos conservador é só uma questão de educação e civilidade, porque não há lá grande diferença entre um conservador e outro. Em termos teológicos, são - todos - ontológicos. Ou não são conservadores (quer dizer, isso se não passarem a usar o passaporte da metáfora).

2. O jogo de reações tornou-se um pouco maior do que a estrutura de comentários recomenda. Assim, trago para cá a última reação de João Neto, e comento aquelas que julgo oportuno. Cito-o e respondo.

3. ""Documento histórico é um hiperônimo dentro do qual cabem inúmeros tipos." De onde você tirou isso?". Bem, João, em termos concretos, qualquer vestígios do passado é um documento histórico. Mas fiquemos com os registros escritos. Tudo o que foi escrito no passado, e sobrevivendo, chegou até nós, é documento histórico. Mas nem todos podem ser lidos da mesma forma, porque há diferentes níveis de historicidade. Há "Doações de Constantino", entre eles - falsificações descaradas - e há Mt 3,3 entre eles - citação errada de documento antigo (cf. Is 40,3 - cuidado com a "versão" em que for checar a informação: tradutore traditore).

4. Mas há mais. Um texto como o Dilúvio não pode ser lido, nem tem o mesmo grau de historicidade, que a Carta de Judas. Liverani transformou a passagem em que Josué pára o "sol" numa metáfora para o fato de que o Egito - o sol - não vem ao encontro dos adversários israelitas, que, por isso, Josué pode, agora, combater e vencer. Genial a saída. E isso porque um "historiador" - se é mesmo historiador - não vai levar a sério a afirmação de que o sol parou. Ou ele tratará a passagem como mero e "desprezível" mito (numa ótica racionalista-positivista), ou, então, tratará de fazer dessa referência uma referência "amigável", historicizando-a (não necessariamente do modo como o fez).

5. Você leva a sério que pães e peixes tenham se multiplicado? Que uma estrela tenha guiado magos até Jesus? E, no entanto, todos esses são documentos históricos, com graus de historicidade absolutamente diferentes daquilo que propriamente chamaríamos "história". Se Herodes eventualmente creu nessas histórias, é bem possível que, doido, fizesse o que a tradição diz que fez. Mas até prova em contrário - e essa é a tarefa do historiador e do arqueológo, caso contrario, são literatos, nada mais do que isso - são lendas fundantes.

6. ""Um texto que mistura profecia zoroastriana assumida pelo judaísmo-messiânico, tradição polêmica, Império Romano e tradição cristã PRECISARIA ser olhado com olhos mais céticos." Por quê? (Bom, estou sendo audacioso aqui. O acadêmico sou eu, portanto eu é quem preciso embasar as minhas afirmações. Você já é doutor, pode fazer a afirmação que quiser, como disse aquela sua amiga! rs...)". Primeiro, pelas razões já discutidas acima. Não há milagres na história, João. Só história. A história só pode ser cética e crítica. Se não o for, não serve para nada além da tarefa de um arauto da tradição.

7. Mais: doutor ou não, tanto faz, nunca um acadêmico tem autoridade para dizer o que quiser dizer. Nem "minha amiga" o tinha, conquanto julgasse tê-la. Se o diz, é doido, é doida, arrogante, prepotente. Um acadêmico, se o é, sempre, absolutamente sempre, dará contas, prestará contas, de suas idéias. De todas. Quando se exprimir por hipótese, via intuição, deixará isso claro. Nunca eu direi algo pela força de meu doutorado. Pelo contrário: o meu doutorado é que se sustenta pelo que eu disse - e "demonstrei", do que prestei contas em banca. Assim, considero a autoridade de cátedra uma bobagem, com o valor de um pum de ácaro... Se um acadêmico não presta contas de suas idéias, de seus argumentos, não é ciência que pratica. O que eu fao, João, pode até ser ruim e defeituoso (e nem sempre o é), mas pretende ser ciência. Por isso, jamais quero dizer coisa alguma senão com base em argumentos, expostos ao público e sujeito à crítica.

8. "Osvaldo, onde que eu disse "não é necessariamente patológico"? Veja bem o que eu disse: "O fato de que outras nações também são acomodadas não significa que acomodar-se não seja patológico." Parafraseando: Acomodação é sempre patológico, ainda que as nações do Primeiro Mundo também sejam acomodadas. Entendeu?". Temos um problema aqui, João. A conclusão que voce apresenta ("Parafraseando: Acomodação é sempre patológico") não é aplicável à oração que analisa ("Veja bem o que eu disse: "O fato de que outras nações também são acomodadas não significa que acomodar-se não seja patológico"). Esta oração inteira, pela força da alocução adverbial "não é necessariamente", significa que algumas vezes é, outras, não, mas, nunca, sintaticamente falando, que "é sempre". Foi um equívoco sintático, logo, de comunicação.

9. "Por fim, nossa acomodação e alienação política é patológica sim. A acomodação política é patológica, seja aqui ou em qualquer outro lugar do mundo". Tendo a concordar com você, conquanto o modo direto com que - agora - você se expressa me deixa "nervoso", e, nessas situações, eu tenda a inscrever um "presumivelmente". Seja como for, nesse aspecto, sou marxiano: a religião é alienante. Conquanto seja além-marxiano ou contra-marxiano - ela também é revolucionária (tudo depende de quem a maneje, Ratzinger ou Nancy). Seja como for, no campo mais amplo da política, a alienação, o comodismo, em última análise, é sempre prejudicial, a médio e longo prazo, para um povo.

10. "Se na Europa o político precisa ter muita força para manipular as massas, no Brasil nos contentamos com um estádio de futebol e um auxílio de bolsa alguma coisa de R$ 200 reais". Veja que voce usa o Brasil como contexto de referência para "um auxílio bolsa coisa de R$ 200 reais". Automaticamente - estamos trocando textos hipermidiáticos, interpretei em sentido "federal", logo, "petista". Mas você disse que se referia a uma bolsa estadual, de Goiás. Como eu podia saber, a partir de seu texto? Agora, que você explica, fica fácil. Não foi sacerdotal, não. Foi bastante razoável. À luz do texto, o mais razoável. Se eu adivinho o que você estava dizendo, aí é que tinha sido "oracular"...

11. No mais, vamos que vamos. Nosso amigo Fabio Py me disse, semana passada, que não troca esse tipo de diálogo, porque uma pessoa acaba brigada com a outra. Bem, é o risco. O diálogo é uma arena em que se joga um jogo aberto. Um fala, o outro entende, tenta entender, reage, o outro corrige a reação, o outro reafirma a posição, e assim vai. Bate-papo não é diálogo. Diálogo é uma coisa eminenetemente crítica. É o que tentamos aqui.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

João Oliveira Ramos Neto disse...

Uau!!! Estou muito chique!!! Ganhei um post no blog do Osvaldo!!! Tô ficando importante! Eu acho legal essa de blog porque essa discussão nossa é algo pessoal meu e não acho legal fazer isso na aula porque estaria roubando o tempo dos meus colegas, que não estão interessados. Além do mais, vão pensar que eu estou querendo "aparecer" com esses comentários em sala. Não concordo com aluno que fica batendo de frente com professor, em sala de aula, discordando de tema em âmbito pessoal. Mas então, se me proponho a ser acadêmico, preciso de uma metodologia para ler o documento. Mas eu não sou positivista. Não acredito na razão e muito menos na neutralidade. Como não existe neutralidade, nem na hora de escrever um documento e nem na hora de ler esse documento, eu uso a Análise do Discurso como metodologia. Quando eu finalmente conseguir te entregar o meu projeto, você vai ver a Eni Orlandi e a Helena Brandão mandando lá. Eu trabalho diferente de você, Osvaldo. Na Análise do Discurso, a preocupação do historiador não é o binômio verdade/mentira. Como historiador, não me interessa se o que a Bíblia narra aconteceu ou não daquele jeito. Como crente que sou, creio na veracidade de tudo o que foi narrado ali pela fé, até porque, ninguém "provou" o contrário. No caso do infanticídio de Herodes, creio que aconteceu sim. Existe evidência para isso. Como eu falei, era uma prática comum na Antigüidade. Enquanto alguém não "provar" que não houve, minha hipótese de historiador está de pé. E como crente, tenho fé que nunca será provado o contrário. E isso não é esquizofrenia. Por que um texto como o Dilúvio não pode ter historicidade? Existem tantos relatos antigos sobre um dilúvio... será que não é uma forte evidência que houve alguma coisa? Por isso que eu acho o liberalismo incoerente. Uma hora um autor diz: "não podemos crer na historicidade do Êxodo porque não existe outro documento narrando este fato". Daí, quando vem o dilúvio, que tem um monte de documento, diz: "O dilúvio não tem historicidade..." isso sim, pra mim, é esquizofrenia acadêmica. Em relação ao Sol, como comprovar? (Com a historinha da NASA? rs...) Ora, se foi Deus que criou o Sol, por que Ele não poderia pará-lo quando bem entendesse? É a mesma coisa de você não poder apagar um post no blog que você mesmo criou. Se você não crê na possibilidade do Sol ter parado, então também não crê que foi Deus quem criou o Sol... Estou errado? Agora, de fato, são mitos fundantes. Mas um "mito fundante" não é sinônimo de "mentira". Um "mito fundante" pode muito bem ter acontecido.
Em relação à bolsa, esse é o problema. Já nos manipularam (Veja, Globo, etc.)para associar a bolsa ao PT, quando o PSDB já fazia isso há muito mais tempo. Eu amo Lingüística e Análise do Discurso. Viu só o que o meu texto causou em você? Memória discursiva: quando eu falei em "bolsa", o seu inconsciente já associou ao "PT"! Legal, né?

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