1. Você quer cuidar de sua casa, de sua gente. E não sabe. Você nasce, é filho, casa, é pai, e nunca soube o que é ser isso, que, conquanto mãe é uma função tanto mais fortemente biológica do que meramente cultural, ainda que também cultural, pai é assim quase como que desartável, que um saco de pólen, talvez, resolvesse a questão. E, contudo, inventamos de o pai, dispensável, ser o forte, o macho, o patriarca, em torno do qual - mito e política! - a família se organiza. Mas você nunca soube o que é ser pai, nem marido, nem "pai de família". Você vai sendo, aprendendo, no meio de erros incalculáveis, terríveis, humilhantes para sua auto-estima - por isso a velhice é tão plácida, porque é a montanha desde cujo cume de cabelos brancos se contempla a miséria da própria vida de equívocos...
2. E quem se contenta com isso? Não, ninguém se contenta. Ainda se quer olhar para além do muro, e cuidar que se sabe dar conta do planeta, da vida de todos. É uma desgraça...
3. Apavora-me essa certeza que vejo em alguns, mas isso não passa de uma empáfia não conteplada pelo que por ela é tomado, há aí um ponto cego da consciência, uma grandiloqüência que se auto-dissimula, alguns que têm certeza não só sobre seus passos, mas sobre que passos esse ou aquele tem que dar. Na política, são autocráticos. Na religião, sacerdotes. E um e outro são tão cegos quanto qualquer outro, mas têm ambos o fogo do delírio, só isso, e, quanto ao sdemais, vão-lhes seguindo, às vezes, cegamente.
4. A vida é grande demais, contudo, para que alguém a possa determinar, em conjunto. Muito mal cuidamos da casa da gente, da vida da gente. Cuidar do mundo, ah, uma ilusão que nos toma e arrbata. Faz-se uma caridade àquele pobre como se ele fosse o mundo. Voce e o pobre desaparecem - é a imagem da Caridade, do Pobre e do Mundo que age sobre nós, e nos faz andar. Por isso, talvez, tragamos para dentro de casa imagens grandes demais para caber ali, ao mesmo tempo em que levamos para o mundo gestos pequenos demais para dar conta dele.
5. Lembro-me, agora, daquela imagem de Jesus a dizer "vai" para a mulher que acaba de surpreender-se de não ser apedrejada. É um gesto de dispensação. "Vai". Talvez eu deva deixar o mundo ir, também. Talvez eu deva fazer força para conceber-me como meramente pai e marido, e nada mais. Abandonar as altas idéias, as grandes aspirações, as utopias planetárias, a idéia de um discurso macho para encaixar numa realidade fêmea, uma falavra fêmea a entregar, fogosa, a um real libidinoso... Talvez eu deva ir desaparecendo, lentamente, como a sombra. Talvez, aí, eu consiga relaxar um pouco...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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