quinta-feira, 6 de agosto de 2009

(2009/413) Tropas, não!


Nada nos poderá dizer Uribe que não saibamos. Ele pertence a uma oligarquia de brancos de origem europeia, que gostariam de transformar a Colômbia em estado associado norte-americano, como é Porto Rico. Não entendem esses grandes senhores que Porto Rico é uma ilha, como também o Havaí, e que o destino da Colômbia está ligado ao futuro da América do Sul, a que pertence, na história e na geografia.

A imprensa colombiana defende o presidente Uribe, afirmando que Chávez quer instalar bases russas na Venezuela. O Brasil, em razão de sua história, se opõe à presença de tropas norte-americanas em sua vizinhança e não deve aceitar as russas. Amanhã ou depois, a China talvez queira ter também suas forças no continente.

O Brasil tem toda autoridade para essa postura. Quando, na luta contra o Eixo, cedemos a projeção oriental sobre o Atlântico aos Estados Unidos, para a base de Natal, deixamos estabelecido que essa presença seria temporária, enquanto durasse a guerra. Logo depois do armistício, o governo de Truman quis negociar o arrendamento da área e a permanência das bases – já na previsão de confronto com os soviéticos. Vargas não aceitou discutir o assunto – e os americanos se foram. Durante toda a história, só sofremos, na primeira fase da guerra da Tríplice Aliança, a presença de tropas inimigas na margem esquerda do Rio Paraguai. Logo que nos foi possível, as expulsamos dali. O Brasil não admite outra bandeira sobre seu território.

O presidente Lula declarou que não podemos impedir que a Colômbia faça o que quiser em seu país. Trata-se de seu direito soberano, até mesmo, se assim o desejar, de transformar-se, de jure, em protetorado de Washington – o que já é de fato. Mas é preciso que nos reservemos o direito de tomar todas as medidas, a fim de impedir a violação de nossas fronteiras, incluídas as que se situam no espaço aéreo. Ao que se sabe, essa posição será reafirmada, com firmeza, na conversa de hoje com Uribe. Convém levar o mesmo statement ao governo de Alan Garcia. O presidente do Peru apoiou o seu colega colombiano, em termos mais do que elogiosos. É provável que o Peru de Garcia seja também candidato a acolher ianques armados em seu solo. Não façam de seu território uma plataforma para a violação da soberania dos outros países da América do Sul. E se enganam, se imaginam que podem dividir os nossos povos. Os governos são temporários, mas é imanente a consciência de que devemos continuar a construir a unidade de nossa pátria grande, da qual sejam cidadãos de pleno direito os ameríndios e os descendentes de europeus, asiáticos e africanos, que aqui aportaram nos últimos cinco séculos.

Não temos por que tomar partido no confronto verbal entre Bogotá e Caracas, mas isso não nos impede de identificar os interesses estrangeiros que se encontram por detrás dos incidentes registrados. Há sempre os que acendem o forno alheio, a fim de assar seu pão. Temos, mais do que o direito, o dever da franqueza na conversa com os vizinhos. Não somos senhores de suas portas, que podem abrir-se aos hóspedes que escolherem. Temos, porém, o dever de lhes dizer que nos incomodam quando oferecem sua casa a hóspedes que pretendem nos bisbilhotar com binóculos eletrônicos, ou cavar trincheiras junto à cerca.

Foram interesses estranhos, ligados à exploração dos recursos naturais do continente, que promoveram, no século 19, a Guerra do Pacífico, entre o Chile e o Peru, com consequências penosas para a Bolívia – que perdeu seu acesso ao mar. Naquele tempo, tratava-se da riqueza em fosfato do guano do litoral e das ilhas próximas, utilizado como fertilizante na Europa: um conflito pelo excremento de aves. No século 20, houve a Guerra do Chaco, pelo petróleo da região – e mais uma vez com o sacrifício maior dos bolivianos. É normal que Evo Morales seja definitivo na objeção à presença de tropas norte-americanas em nossas cercanias. O Barão do Rio Branco nos livrou de uma guerra com a Bolívia, no caso do Acre, e de lesão de nossa soberania no Pantanal, no caso da Colônia do Descalvado, que provavelmente nos exigiriam penosos sacrifícios para a libertação do solo pátrio. Em todos esses casos, foram os estranhos, americanos e europeus, a fomentar a discórdia, a fim de apoderar-se dos despojos.

Não aceitamos assistir, depois das guerras do Pacífico e do Chaco, a um conflito nos Andes setentrionais – e menos ainda com a presença de tropas de fora.



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