segunda-feira, 20 de julho de 2009

(2009/398) Da boa e velha religião


1. Não penso - nem quero - que a religião chegue a acabar. Não obstante o fato de apenas conseguirmos projetar o futuro com base no passado e no presente, e de nunca sabermos acrescentar a esse futuro aquilo que apenas o futuro há de trazer, o fato de que a religião está aí desde que nos conhecemos por gente, é bastante provável que, como a arte, os jogos, ela permaneça. E, se por algum acaso, vier a desaparecer - não será tão cedo, naturalmente.

2. No entanto, há alguma coisa na religião que eu gostaria que acabasse imediatamente. Digo-o por meio de uma série de referências: o poder que a religião dá aos líderes religiosos, a síndrome de pequeno-deus, o auto-engano do oráculo (mentira para si ou mentira para os outros, em todo caso, mentira), a vontade de conquista, o desejo de fuga do mundo, o desvalor à vida concreta, aqui, agora, o sobrevalor que ela dá aos deuses, em detrimento do valor dos homens e das mulheres, essas coisas que fazem da religião a doença da humanidade, ópio desgraçado e desgraçante, como se sabe - e se finge negar - há duzentos anos... quase.

3. Poderia permanecer, e me parece que seria bom, o lado misterioso que a religião arrasta pela longa noite da vida himana, a utopia que ela permite, os laços - mas apenas os de amizade e fraternidade - que ela faculta, mercê do mito da "grande família", mais do que uma instrumentalidade, uma porta das percepções míticas e místicas da espécie humana... Dela e, parece, só dela.

4. A vida é crua demais para ser vivida, apenas, na dimensão trivial do concreto. Seja a poesia, o mito, a religião, o "gozo", algum escape consciente - consciente, senhores, consciente, senhoras, não alienado, não opiácio na sua ignorância - precisa haver para pintar de azul, de verde, de amarelo, de toda cor, essa paleta monocromática da vida...

5. Por mais que ela seja o que ela é, ímã que nos atrai para si, por meio das forças da pulsão do sexo, da violêcia, da sua pura e simples manutenção, e até por causa disso, a vida é cruel, meus amigos, crudelíssima: é nascer, matar e comer, dia e noite. Querem ver o que é a vida sem mitos, meus amigos, basta assistir episódios sobre a vida dos artrópodes - também aquilo é nossa vida. Mais nada além daquilo...

6. É pois necessária uma boa dose de "cachaça" para nossa consciência. Na pobreza e na desgraça, ela é, literalmente, a aguardente, aquela mesma do alcoolismo. Mas há outras doses. O mito, a poesia, a religião, a fé (desde que não essa bestificação alienada, por exemplo, neo-evangélica, essa estupidez cada vez mais obscurantista e patética) - são véus com os quais cobrimos a vida, para fazer dela algo menos natural, mais humano, demasiadamente humano.

7. Divina, ela jamais será, posto que se trata, isso, de uma grande invenção nossa. Animal, não nos cabe mais vivê-la assim. Resta humaizá-la. Se a religião bestifica, se a religião diviniza, torna-se, por isso e para isso, imprestável, inútil (para o bem), maligna, demoníaca., destrutiva (para o mal). A religião só servirá para a nossa libertação quando for - se vier a ser - plenamente humaizante... E sem mentiras. Até lá, ela mais escraviza do que liberta...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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