sexta-feira, 29 de maio de 2009

(2009/306) O DNA da "Teologia"


1. Dirijo-me às minhas e aos meus pares - e quanto é bom poder fazê-lo nessa condição. Não se trata, então, aqui, agora, de um outsider, um "ateu", um não-teólogo, um "que tendo saído..." - o tipo de "crítico" que aprendemos a não ouvir, sopesadas as justíssimas justificativas de rótulo... Não - se trata, aqui, agora, comigo, de alguém desde dentro das muralhas da Teologia, vítima sua, filho seu, seu íntimo, alguém que foi e vai até o fim das escadarias, sobe no muro, enche os pulmões de ar, e grita - se há ouvidos para ouvir?, bem, sempre há, conquanto se façam de moucos, às vezes, quando há intereses em jogo, o constrangimento é grande e o rei está a vagar de ceroulas...

2. Teologia sempre houve, desde que o primeiro homem ou a primeira mulher transformaram pedra e pau em em deusas e deuses - e isso, a meu ver, é mais do que simples neurose, conquanto o seja, mas é, igualmente, biológico, algo que não tem cura, porque não é doença, é um jeito humano de ser e viver, parindo o sagrado a cada ato de respirar e fechar os olhos.

3. Mas, nascida, a Teologia cristã fez-se "cruzada" - o espírito de Saulo a contaminara?, para sempre? É, aposto que sim. Atitudes saulo-paulinas de transmutação estratégica - fazer-se judeu, para o judeu, e grego, para o grego -, de classificação restritiva - outro "evangelho"?, seja anátema! -, de silenciamento programático - "a quem convém calar a boca". Gestos fundadores quais esses soem perdurar. Ainda mais se a eles se faz seguir uma longa série apologética - quanto desejo, primeiro, para ser do mundo, e, logo, para o tomar para si! - e polêmica, coroada pelo gesto político do "grande acordo" (que em recente Alemanha se ensaiava repetir, e quase).

4. Depois disso - como fazer a água correr fora desse leito apologético, polêmico, político? Um aqui, outro ali, vozes muitíssimo discordantes, dissonantes, mas apenas isso. As águas que um dia se previram descer desde Sião inundaram o mundo - mas fora um tsunami incontrolável, e não tanto de água quanto de sangue.

5. Esse DNA tem determinado a reflexão (racionalização), a atitude (o "espírito") e a ação da Teologia e dos teólogos desde então. Na Reforma, apenas trocou-se de endereço, mas lá está ele, lá está ela. Seguiram-se anos de conflito interno - protestante versus protestante, réplica do modelo "anátema" de Paulo.

6. Rompeu aí um movimento transformador, subversivo, crítico, proto-científico, algo como um sistema imunológico na tentativa de livrar-se do infortúnio, ou, seria melor metáfora, uma primeira tentativa de manipulação genética" E o que fez a Teologia? Excomungou-o para fora das Igrejas - de todas elas -, das Universidades (quando e onde pode, e ainda hoje). Organizou-se um contra-movimento de reação (o Protestantismo está cheio de Contra-Reformas, que, a Roma, bastou uma) - contra-exegético (quando a própria "Palavra" é Heresia!, ah, ironia...), contra-filológico (o bom teólogo é o mal filólogo, já se disse), contra-crítico (a crítica faz mal!, disse-o eminente "reitor"), contra-emancipador (gente de "dura cerviz"...), contra-autônomo (apostasia!).

7. Esperava-se o quê? Emancipa-se o Ocidente, como quando filhos saem de casa, transtornados da loucura patológica dos pais. E os pais nem se dão por rogados - que fiquem, mesmo, fora!, que não voltem! - salvo, com o rabo entre as pernas -, como filhas quase-putas, emprenhadas e, por isso, imundas, como filhos quase-drogados, viciados, e, por isso, possessos, expulsos do lar pela "autoridade" do Pai - réplica de "Deus". Mas fomos "nós" que saímos, não se esqueçam...

8. No século XX, o novo Agostinho, o novo Anselmo, o novo Lutero - Barth - mas esse, mil vezes mais culpado - re-organiza os espaços teológicos: contra a emancipação, agarrar-se à imagem antepassada da "Verdade" - Revelação. Resistir à Autonomia, é a ordem na Cidade de Deus. Amaldiçoá-la, como a Adão e Eva. Combater a Emancipação - como o Templo de Jerusalém, como Ml 2,7. "Resisti ao diabo, e ele fugirá de vós"...

9. No front, percebem-se as teólogas e os teólogos progressivos. Aproximemo-nos deles. Revelam-se indignados com a opressão do Cristianismo, da Igreja, da Teologia, opressão sobre e contra o mundo. A palavra de ordem é - Liberdade (Europa, Estados Unidos da América)) e Libertação (América Latina, "Terceiro Mundo). A Teologia agora, com u'a mão, esmaga, com a outra, acaricia - carícia sobre a carne exposta... Como a Natureza a-moral, que dá a vida e a come viva, Roma e Wittenberg pregam cativeiro e liberdade, pregam paz e guerra, pregam salvação e perdição: depende de que lado você esteja... E os teólogos da liberdade/libertação não entendem que seu juízo, sua atitude e, conseqüentemente, sua ação estão sobredeterminados pelo "espírito de Teologia", pela "alma de submissão" - e eis aí o disfarce imperceptível dela... Deus, meus aros, é, aí, apenas uma palavra... de ordem!

10. O que me parece não se perceber aí é que a Liberdade e a Libertação não são possíveis sob o regime da Teologia tal qal ela se constitui desde aquele passado saulo-paulino, agostinianizado, seja, agora, de estirpe romana, seja de extirpe luterana. É ela, a velha Dama, onde quer que a Teologia seja evocada, ela e sua bocarra escancarada de presas. Ela promete e dá, sim, liberdade, como o dono ao cão acorrentado... terás comida e abrigo até a morte, cadela...

11. Não é sintomático? - como negar? - que mesmo onde há ímpetos honestos de libertação, a Teologia faça desaparecer tudo quanto não "cristão"? Tomem-se - qualquer um! - todos os artigos que Peroratio e ouviroevento têm analisado e procure-se, aí, lugar para as Teologias - também cidadãs - do MEC: Umbanda e Kardecismo. Não há! Só "Palavra de Deus", "teologia clássica", "depósito da fé", "confissão 'luterana'"... Meu Deus!

12. A Teologia, quando não mata, despreza. A Teologia, quando não toma, desconsidera. A Teologia, quando não reina, extradita. E é ela, meus amigos, é essa Dama, minhas amigas, quem acha, mais do que "acha", quem brada em centenas de livros de libertação, diálogo, "missão", transformação - mas quantos nomes para a sempre mesma coisa! -, ser ela, e apenas ela, a lucidez de Deus, a saída para o "mundo", a Razão.

13. O "caso" MEC é ilustrativo. Não, aí não se verá espada, cavalo, armadura. Também aí não se verá a roda, o strappado, o "berço de Judas" - as Repúblicas deram cabo disso (conquanto algumas há que ainda os usem em ilhas caribenhas, ou alhures). O que se vê, aí, apenas, é a mesma resistência que marca a história da Teologia - quando não conquistar, resistir. É, pois, ela pensa, hora de resistir. Nada de "capitular" - é asim que ela reciocina - diante das regras "estranhas" das ciências! Nada de se curvar diante das epistemologias científico-humanistas! Nada de abrir mão de confessar a perspecica superlativa da fé.

14. Não vejo homens e mulheres aí - vejo sacerdotes e videntes. Vejo alguma coisa entre videntes e prestidigitadores - porque como conceber a resistência tamanha diante do que me parece a mais límpida e translúcida verdade ocidental: não há mais discurso possível, na academia, para o oráculo -?

15. Mas há que resistir, não, Teologia? E assim, o tempo passa, e, quem sabe, os dias antigos não voltam para nós?

16. Vade retro!

17. É preciso, teólogos, é mister, teólogas, que nos libertemos do "espírito de Teologia", e que a forcemos - sim, forcemos! - a uma transformação irreversível. É como se forçássemos uma outra criatura a transmutar-se, mas, eis o segredo que nos imobiliza, amigos - é a nós mesmos que devemos transformar, porque, em última análise, a Teologia somos nós... Nós, meus amigos, somos a última fronteira, o graal do mundo...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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