sábado, 14 de março de 2009

(2009/084) Cosmogonia, escatologia e pesquisa


1. Na conta de um consciente interesse histórico-social, estão perdidos, sem exceção, todos os esforços aplicados sobre, na Bíblia Hebraica, os temas "cosmogonia" e "escatologia" que, tomando-os sob a forma com que são manejados pelas culturas "herdeiras" dos territórios e dos povos do Antigo Oriente Próximo, mas não sob as formas como elas mesmas, as culturas próximo-orientais "originais", os manejavam, transcendentalizam-nos, sobrenaturalizam-nos, teologizam-nos, em sentido escolástico-doutrinário. Perdidos. Todos. Por quê? Por uma razão muito simples: porque não conseguem esses esforços trabalhar tais conceitos na forma como eles funcionavam, no seu âmbito de instrumentalização histórico-social. Quando esse fenômeno de deslocamento funcional-instrumental se dá, as "palavras" (verbetes de dicionário) "cosmogonia" e "escatologia" são tomadas como cápsulas vazias, e seu interior é preenchido com conceitos doutrinários contemporâneos ao "pesquisador", que, por isso, em lugar de agir como pesquisador, age como artista - na retórica pós-moderna, uma beleza!..., mas, na retórica "moderna", uma tragédia.

2. Fenômeno semelhante é descrito por Joaquim Jeremias, quando, referindo-se à doutrina "cristã" da segunda volta de Jesus, supostamente sustentada por "ditos" de Jesus constantes dos Evangelhos, afirma que as referências, aí, são, apenas, à presença viva de Jesus em seu ministério terrestre, o "ladrão" que entra nas casas, e ninguém se dá conta, e que o efeito de projeção dessa referência a uma segunda volta deveu-se, antes, ao fato de as comunidades herdeiras atualizarem-na, tendo si mesmas como referencial, o que impediria a sua leitura como referindo-se ao período de vida de Jesus, em tese, então, inútil para as comunidades da tradição, ao passo que, se reavivada, e projetada para um futuro, tinha o duplo poder de relacionar Jesus e tais comunidades - ele falou para nós! - e de manter a esperança messiânica/cristológica viva.

3. Assim, sem entrar no mérito da utilidade mística da esperança cosmogônica e escatológica dos cristianismos contemporâneos, concluo que, em termos histórico-sociais, o seu dicurso não tem relação de identidade com o contexto vital, a instrumentalidade, a funcionalidade dos temas em seu contexto histórico-social, mesmo bíblico, seu Sitz im Leben. É preciso voltar lá atrás, re-instalar as palavras, essas duas, cosmogonia e escatologia, em seu chão natal, e compreender-lhes o significado assim.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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