sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

(2008/123) Sobre (as coisas escritas de ) Croatto


1. Haroldo, minha crítica não é, nunca, ao próprio Croatto. Não o conheci pessoalmente, mas gostaria de tê-lo conhecido. Um momento ímpar de Croatto eu considero aquele seu artigo sobre Asherah - por uma razão muito simples. Croatto insiste em que não adianta querer desexualizar a imagem/representação de "Deus", tornando-o um sem-gênero, um "andrógino", como se quer, inclusive, fazer do Adão de Gn 1,26 - a meu ver, de forma risível... Croatto propõe a recuperação da "deusa" e, isso é relevante, não obstabnte "ter" Maria à sua disposição. Croatto referia-se rigorosamente à consorte de Yahweh, Asherah. Esse "momento" de Croatto beira à denúncia - estratégia que me agrada, própria da história - e distancia-se da "política" de acomodação ao/do status quo, estratégia que me causa coceira...

2. Todavia, há dois momentos de Croatto que devem ser insistentemente denunciados, para que leitores sejam advertidos do risco de se tomarem tais orientações como caminhos heuristicamente pertinente. O primeiro é Hermenêutica Biblica, de 1984 - um livro político. Apostaria que há um projeto programático por trás dele, aposto que é um livrinho de encomenda, uma apologia de método, apesar de ele constituir, em si, uma apologia do contra-método. Se esse livrinho de Croatto for levado a sério - e como foi! (eu o denuncio desde a primeira leitura, desde o primeiro momento me pareceu político, além de equivocado) - mata-se com pancadas dele, na cabeça, e muitas, já que ele é bem fininho, tanto o Croatto da série Isaías quanto o Croatto da Fenomenologia - porque nenhum dos dois se faz sem exegese, e, lá, em 1984, Croatto diz, sem constrangimentos, que não existe exegese, que tudo é construção retórica, "eixegese"... Olvidável momento de Croatto. Saída estruturalmente comparável é Umberto Eco propondo como locus hermenêutico um fantasma - a "intenção da obra": a ideologia ("intenção do leitor"), que Croatto defende em 1984, ao menos, existe...

3. O segundo é ambíguo, porque é um extraordinário momento, mas, ao mesmo tempo, um flagrante retrato da "promiscuidade" entre a velha Teologia e os influxos das Ciências Humanas - todas as vezes que a Teologia velha se aproximar das Ciências Humanas (diga-se rápido: operada pelo "teólogo), apostem-se duas pernas e um braço, dará nisso. Como você sublinha em sua reação a meu post, Croatto mistura Teologia e Fenomenologia da Religião, e de uma forma que não ajuda em nada nenhuma das duas - mas, confessemos, quem mais sai arranhada é a Fenomenologia da Religião, porque, da Teologia, esperamos, sempre, coisas desse tipo.

4. Um parágrafo. Frank Usarski escreveu o que ele considera uma crítica ao "ramo classico da Fenomenologia da Religião", publicada na Rever. Ali, em oito disparos, tiros são dados contra a "Fenomenlogia da Religião" supostamente de estilo eliadeano - digo supostamente porque o artigo inteiro não vai além de O Sagrado, de Rudolf Otto. A rigor, Usaski apresenta uma crítica à Fenomenologia da Religião que faz dela um apêndice equivocado e programático da "teologia protestante". Escrevi uma crítica. Usarski detestou - é de direito. Contudo, se Usarski aceitasse minha crítica, e corrigisse o título e o foco do artigo, ou seja, em lugar de apresentar o artigo como uma crítica à Fenomenologia da Religião em si, apresentá-lo como uma denúncia do uso equivocado, indevido, negligente, que a Teologia faz da Fenomenologia da Religião (ainda está para nascer a Teologia que levará a sério a Fenomenologia da Religião - enganei-me achando que Tillich o faria...). Se Usarski aceitasse minha correção, seu artigo serviria como uma luva para o básico da crítica da Introdução à Fenomenologia da Religião de Croatto.

5. 2 x 1. Ainda ssim, penso que Croatto é credor de todo o nosso respeito, de toda a nossa consideração. Élcio Sant'anna escreveu uma dissertação de mestrado, Haroldo, em que coloca, lado a lado, Croatto, você e eu como aqueles que, na América Latina, estão interessados especificamente na questão do mito. A descrição que Croatto faz do mito em As Linguagens da Experiência Religiosa é um momento fantástico - paga, e sobra, o pecado fenomenológico do todo.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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