sexta-feira, 21 de novembro de 2008

(2008/58) Da tradição e da Tradição


1. Confesso - tenho insistido num cantus firmus, um disco rachado, ultimamente - a "tradição". Meu comportamento, parece, beira as raias da implicância. E talvez o seja, mesmo - é bom sermos honestos, ao menos quando falamos a nós mesmos: e blogs são, antes de tudo, "diários", abertos a todos e a ninguém, escritos por nós, para nós mesmos.

2. Todavia, minha relação com a tradição é muito boa, eu diria. Com a Tradição, não, mas com a tradição, é muito boa, sim. Eu abracei o conceito pragmático e epistemológico de "hermenêutica", e isso implica numa confissão de fé em face do Homo hermeneuticus já anunciado por Dilthey. Logo, creio, prostaticamente, na condição interpretante do homem.

3. Mas creio, sobretudo, na condição de sujeitos hermenêuticos que homem e mulher têm. Por isso, ao passo que admire a forma como a tradição nos transporta, como plânctons, detesto, um detestar de morte, quando a tradição, por força de si ou de pequenos-deuses, dementes, cripto-divindades, doentes, quaisquer que sejam as atitudes e intenções, insinua, defende, normatiza estruturas despersonalizantes, dessubjetivantes, imorais, desumanizantes. É o caso da Linguagem (Heidegger), da Tradição (Gadamer) e da Metáfora (Vattimo). É o caso de Deus-Tradição.

4. Não é da tradição que me disgosto - mas da Tradição. Com a tradição, quero dançar uma dança apaixonada. Com a Tradição, a luta da morte, ela e eu, e só um ficará de pé.

5. Não é por outra razão que toda a minha avassaladora crítica teológica não me tirou, da pele, a tradição de Deus. Dormíamos juntos, quando eu tinha quinze anos, e sofria, no corpo, as dores da puberdade. Minha mãe o desenhou nas paredes dos meus olhos, e nós crescemos assim, como sol e lua, ar e pólen, os dois, ele, sempre, muito adulto, mas sempre perto, brincando comigo.

6. Foi - perdoem-me a dureza do tom - a maldita Teologia - que me enfiou, aos 19 anos, cabeça adentro, uma pedra vulcânica, com coisas escritas e ditas, eu cri, como podia não ter crido, ali, indefeso, aberto, emocionalmente fragilizado pelo horror do Nada? Essa Teologia, essa Tradição, esse Deus delas, quero-os todos amarrados a uma pedra muito pesada, e afundados lá nas Marianas, lá, onde diz-se lançar Deus os nossos pecados.

7. Mas que fique, cá, uma tradição, como quadros de Van Gogh, uma teologia, como observar formigas à tardinha, um Deus, tão perdido quanto eu, depois que seu experimento criou vida própria - soube por um transgo de umbral que ele anda mais excitados do que nós mesmos com essa novidade! A vida, com eles, é bem suave. E se, eventualmente, doer, sempre terei o colo da Bel (pobre miserável do homem que não tem o seu). E se, um dia, até isso me for tirado, ainda me restará - para além da Linguagem, da Tradição e duma Metáfora - para além de Deus, a garganta, o nefesh da Bíblia Hebraica, pronta a mandar a tudo e a todos para os quintos dos infernos...

8. Ah, a vida é loucura de carbono - é bom aproveitar os momentos de amor, que, para o serem, dependem dos de dor... e lá vêm eles!


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio