quinta-feira, 2 de abril de 2020

(2020/048) É duro o choque de realidade

É duro o choque de realidade.

Eu vivo no meio de religiosos e acadêmicos de todo o Brasil. Sem generalizações, grassa um cada vez mais a(celerado) pós-modernismo no meio das Humanas. O real é uma construção da mente! O real é fabricado pelo cérebro! Tudo é interpretação! Um monte de patacoadas, que você tem que ouvir. No outro polo, a pessoa religiosa, que vê a alma do mundo, que não tem alma, que vê deuses, e, entre os deuses, um deus só, que só existe sozinho e sem ninguém mais (esses são os piores), que para tudo têm explicação religiosa (cada uma mais varrida do que a outra), sobrenatural, espiritual, doutrinária, essa lenga-lenga mitológica e patológica, que tem gente que diz que faz bem (só olhar para a janela e ver o bem que faz).

Aí, vem um vírus como esse. A realidade líquida que os pós-modernos tanto amam de repente caga na cabeça - literalmente - de todo mundo. Interpreta agora, meu amigo! Reduz tudo à linguagem, meu caro! Transforma tudo em interpretação, gente boa!

Hoje, 02 de abril, ainda que os números sejam todos subnotificados, sem exceção, batemos a casa dos 1.000.000 de infectados testados. É uma infecção hermenêutica! Na verdade, não há quarentena, não há vírus, não há mortes rondando cada porta - tudo é linguagem, e só, um a que contamina, um b que para a respiração, um c que enterra... Tudo é mera construção da mente, tudo é uma coisa que meu cérebro vai criando...

Há algum tempo, a pessoa que eu conhecia que mais dizia e escrevia que tudo é interpretação morreu em uma curva. Talvez tenha pedido ao deus de sua crença, se ainda a tinha, que tudo fosse interpretação e que a curva fosse uma hermenêutica visual. Mas não era. A morte é material, biológica, real, incontestável. Não era interpretação. Não era o cérebro criando. Não era realidade líquida. Era o concreto material na frente. Game over.

Deveremos chegar à casa das centenas de milhares de mortes, na melhor das hipóteses. E eu vou levantar e sair da sala toda vez que, estando eu nela, um idiota qualquer venha falar de realidade hermenêutica.

A realidade, hoje, é escarro, pulmão em falência, e horror. Nada mais real. 






OSVALDO LUIZ RIBEIRO


Um comentário:

Unknown disse...

Olá, Osvaldo!

Eu vinha lendo e ouvindo um pessoal do aristotelismo-tomismo meio radical, que vê nessa linha de pensamento o auge da filosofia.

O pensamento moderno, segundo eles, se inicia logo após Tomás de Aquino, já com Duns Scotus, que teria invertido a ordem de submissão da vontade à razão (tomista) para instaurar a submissão da razão à vontade.

Essa forma de refletir sobre as coisas ao nosso redor teria sido aperfeiçoada por Guilherme de Ockham, e, chamado de nominalismo, teria levado ao surgimento do pensamento de Descartes, mais tarde de Kant, culminando com os pensadores do século XIX.

Agora lendo você sobre o pós-modernismo no meio das Ciências Humanas, com essa coisa de o real ser uma construção do cérebro, uma questão de interpretação, e a referência ao estado líquido popularizado por Bauman, eu estava pensando aqui sobre o processo de fusão que levou a esse líquido, e o que é que estava sólido para se tornar líquido.

Se é pós-modernidade, então o sólido só poderia ser a modernidade.

Voltando aos tomistas que mencionei antes, essa modernidade então vai surgindo, se moldando e solidificando em todo aquele processo que se inicia lá com Duns Scotus, com o nominalismo de Ockham derrubando os universais, e daí pra frente com o pessoal que vai pensando e desenvolvendo a coisa toda.

Parece, então, um contrassenso ver uma degradação do pensamento após Tomás de Aquino - mesmo tendo ele se apoiado no pensamento de Aristóteles.

O contrassenso é que Aristóteles se afasta de Platão, talvez porque quisesse olhar para o chão, para seu corpo, para as coisas à sua volta, enquanto Platão queria olhar para o alto, para o Mundo das Ideias.

Os conceitos de um eram construídos com experiência e observação, os do outro com contemplação, e vinham prontos.

Mas se a solidez do pensamento moderno vai se formando depois e contra Tomás de Aquino, essa modernidade vai se parecendo mais com Aristóteles, em quem Tomás se apoia, do que Tomás entendia parecer.

Eu sei que nessa história toda, do século XIV ao XIX, vão surgir idealismos, mas, no fim das contas, é na experiência no chão duro que o pensamento vai se formar, sólido.

Aristóteles vem pra Europa com seu olhar no mundo. As universidades que, com Platão, olhavam para o alto, querem essa novidade. A Igreja tenta proibir. Tomás de Aquino toma para si essa novidade e constrói a sua filosofia. Mas essa filosofia estaria flutuando, mais que andando em terra firme, se o que vem depois, como afirmam aqueles tomistas, será o Modernismo, e este, quando olhamos para o pós-modernismo, é duro como granito.

Foi Tomás de Aquino que construiu, com os universais, um mundo das ideias, e, também, um platonismo a partir de Aristóteles, ou são aqueles adeptos de um aristotelismo-tomismo messiânico que não têm ideia do que estão falando, nem quando falam de Tomás de Aquino, nem do que veio depois dele?

Luciano Martins Pomponet

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