1. Luciano manda-me uma questão. Escreveu-a de modo claro, sucinto, direto. Eu não conseguiria re-escrever com minhas palavras de modo tão objetivo quanto o próprio Luciano foi - perfeito. Permitam-me, pois, transcrever seu comentário:
E aí, Osvaldo?Olha só, eu entendi - ou acho que - a relação de causa e efeito que você traça entre o modelo "Bíblia e Oração" de ontem e a predisposição das pessoas a aceitarem o que as "neo" lhes enfiam goela abaixo hoje. Ok!Mas a crítica, se fosse adotada ontem, não teria, a par de preparar as pessoas para não aceitar o entulho das "neo", esvaziado já os templos de ontem mesmo?Veja que não estou aqui querendo dizer que é melhor ter templos cheios hoje, ainda que sejam das "neo" - e um pouco para as outras - do que termos nos tornado, religiosamente falando, uma Europa pós-cristã, mas com a crítica não teríamos nos tornado isso mesmo, um Brasil pós-cristão?Vai lá, pode descer o lenho (rsrsrs)!
2. Essa, Luciano, a sua, é a melhor compreensão que eu li de tudo que escrevi sobre "Bíblia e oração": "a relação de causa e efeito que você traça entre o modelo "Bíblia e Oração" de ontem e a predisposição das pessoas a aceitarem o que as "neo" lhes enfiam goela abaixo hoje". Não se trata, aí, de você ter aceitado minha tese - trata-se de você a ter compreendido. Nenhum dos meus interlocutores, até agora, revelou tão precisa compreensão do que eu estou tentando dizer quanto você. Talvez tenham entendido tanto quanto você - mas dizê-lo, disse-o você.
3. Todavia, Luciano, sua resposta! Homem, você leu o que você escreveu? "Mas a crítica, se fosse adotada ontem, não teria, a par de preparar as pessoas para não aceitar o entulho das "neo", esvaziado já os templos de ontem mesmo? Veja que não estou aqui querendo dizer que é melhor ter templos cheios hoje, ainda que sejam das "neo" - e um pouco para as outras - do que termos nos tornado, religiosamente falando, uma Europa pós-cristã, mas com a crítica não teríamos nos tornado isso mesmo, um Brasil pós-cristão?". Luciano, você tem um senso de análise formidável. Gostaria de um dia trocar mais idéias com você.
4. Mas o que eu posso dizer? Você percebe, Luciano, que confessa, com todas as letras, que sabe que, se tiverem acesso a conhecimento crítico e a ânimo e juízo críticos, as pessoas abandonam a igreja? Essa constatação infere-se da pergunta retórica que você faz... Eles não debandarão?
5. Ora, Luciano, está pressuposta na sua pergunta uma declaração: as pessoas estão na Igreja porque lhes falta crítica: se lhes for dada liberdade para a crítica, mais do que isso, se a isso elas forem apresentadas, se lhes for ensinada a crítica, debandam... És um marxista!
6. E eu acho que você está certo. Certíssimo. Não é por outra razão que a crítica é proibida, a informação, controlada. Não é por outra razão que seminaristas, quase que invariavelmente, acompanham as aulas com um ábaco, fazendo contas: se eu disser isso na igreja, metade vai embora.: logo, não direi...
7. Você sabe, eu sei, todos sabem, que a manutenção das pessoas na igreja é uma rotina de "manipulação" (em sentido técnico - não formulo aqui um juízo de valor, mas tento constatar um fato) em grande escala. Os elementos dessa manipulação são vários, mas, basicamente, sinto dizer de novo, Bíblia e oração. Todavia, se as pessoas tiverem acesso honesto às informações, sabemos que elas debandarão. Todas, não. Quantas? A maioria.
8. Assim, não vamos fazer isso. Para mantê-las ali. Aí, vem o Lobo Mau e nhac... E eu ainda tenho que ouvir (e de meu amigo Cleinton!) que eu estou equivocado. Vai ver estou. Mas que seminaristas, pastores, líderes de modo geral, têm pavor de dar acesso crítico à membresia é um fato que só pode ser negado retoricamente.
9. E você me confessa isso.
10. Assim, eu devolvo a questão. Melhor entregá-las às neos obscurantistas, não? Talvez. Quem sabe, não?
11. Eu acho mais, Luciano. Acho que o processo não pode ser impedido - se os pastores começarem a crítica agora, não tem como segurar o estouro da boiada, porque não sei se os próprios pastores saberão lidar com isso: é também a crítica deles!, eles também são vítimas de si mesmos! [ressalvadas, naturalmente, as exceções - que são, por isso mesmo, isso: exceções]. Mas, a médio e longo prazo, as águas se acomodam, os feridos voltam para casa, e se recomeça uma nova forma de ser igreja, sem espiritualizações alienantes, sem obscurantismos, sem dogmatismos.
12. Acontecerá?
13. Não.
14. Vão-se pregar mil vezes a passagem de Jesus dizendo aos discípulos que, se quiserem, podem ir atrás da massa que o acabara de abandonar, porque ele não queria ninguém ali forçado. Todavia, enquanto se lê esse texto, se empreende toda força, a máxima força, para nenhum membro se ir - até impedir que ele se torne uma pessoa autônoma, dona de si, o que implica, sem negociações, constituir-se como um ser crítico.
15. E aí, Luciano, tome Bíblia e oração...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
PS. eu poderia indicar pelo menos uma igreja onde essa crítica foi iniciada, e ela está lá, alternativa, honesta, franca... Não houve debandada, porque ela já meio que nasceu assim. Não falarei de qual se trata, para não parecer que faço propaganda de modelos de igreja, essa "praga" nos campos evangélicos - modelos! Mas alguns leitores de Peroratio são mesmo membros dessa comunidade - da qual, digo, não sou membro nem sequer tenho relações, dado ser em outro Estado. Como há essa, deve haver outras. São as exceções. Talvez aí estejam seguros os rebanhos. Talvez...
PS. eu poderia indicar pelo menos uma igreja onde essa crítica foi iniciada, e ela está lá, alternativa, honesta, franca... Não houve debandada, porque ela já meio que nasceu assim. Não falarei de qual se trata, para não parecer que faço propaganda de modelos de igreja, essa "praga" nos campos evangélicos - modelos! Mas alguns leitores de Peroratio são mesmo membros dessa comunidade - da qual, digo, não sou membro nem sequer tenho relações, dado ser em outro Estado. Como há essa, deve haver outras. São as exceções. Talvez aí estejam seguros os rebanhos. Talvez...
4 comentários:
Se entendi a tal "Bíblia e Oração" está sendo instrumentalizada para alienar as pessoas a ficarem na Igreja. E que as pessoas deveriam buscar uma "autonomia crítica" para questionar o que é feito. Concordo. Mas às vz parece que "estamos" querendo salvar quem? Salvar do quê? Salvar o povão das "neo-pentecostais"? Salvar a igreja do evangelicalismo vulgar? Ou apenas apontar para problemas em nossas Igrejas?
De uma forma ou de outra, acho importante fazer a seguinte pergunta: Por que as pessoas se deixam alienar? (se é que realmente são). Será que não é o "povão" quem determina seus lideres? Pensar esse modelo: um líder (ou instituição) aliena milhares, pode ser questionado (mais ou menos no sentido de Foucault, na análise das relações de poder). Estou propondo inverter a análise, partindo não dos "alienadores", mas dos "alienados". Por exemplo: quando se analisa o Nazismo a tendência é pensar que o Führer alienou toda massa alemã com a sua propaganda nazista, porém vários historiadores consideram que houve uma "conjectura" para que o nazismo se desenvolvesse (dentre elas a condição Alemã no pós I Gerra, o anti-semitismo em toda Europa, a frustração com o liberalismo e comunismo, etc). Os alemães não foram levados, como hj as ovelhas não são, elas, no mínimo, se deixam levar, ou vão conscientemente.
Não sei! De repente poderíamos tentar olhar as pessoas mais de perto. O que faz um empresário e um pobre entrarem numa neo-pentecostal e entregar boa parte do que carregam nos bolsos? Ai vc diz: a vontade de ganhar mais. Será que é só isso? Pode ser. As neos, de alguma forma, são as mais adaptadas ao mercado da fé de hj e lutam por manter isso. A questão é quem são os "alienados"? E quem somos nós? Os "iluminados" que ensinaram o gado a criticar? Me parece que a batalha se trava entre os "clérigos" e os "críticos intelectuais". E mais uma vez se pensa que conhecimento é poder. Pode até ser, desde que o coletivo aceite.
paz
Pr. Cezar Uchôa Júnior
Bom, Osvaldo, o elogio à escrita - objetividade e senso de análise - são muito bemvindos, sobretudo porque preciso deles no meu trabalho.
Lembro que você sugeriu em outro texto - ah! naquele dos textos que apaixonam - que eu seria um advogado.
Quase isso. Sou bacharel em Direito e atuo como secretário de um Juiz de Direito, e tenho também pretensões de chegar a me tornar um - quem sabe?
Tenho muitos parentes numa cidadezinha aí do litoral capixaba, mais ao sul de onde vocês estão - Piúma - a quem estou devendo uma visita já há bem uns 14 anos, e certamente, em lá indo, esticarei a Vitória, quem sabe assistir algumas aulas suas como ouvinte, quem sabe trocar idéias como você sugeriu.
Marxista, eu? Não sabia! Sério! Apesar de ainda me emocionar com Diários de Motocicleta (rsrsrs).
Gostei principalmente do final: feridos voltando para casa, uma nova forma de ser igreja, sem alienação, obscurantismos, dogmatismos... mas aí você veio com um NÃO categórico! Pô, e os novos céus e nova terra?
Vamos nos falando.
Abração!
P.S.: ah! excluí você dos meus amigos no facebook, mas foi um equívoco; quando eu mandar a solicitação de amizade de novo, se der, dá um ok! Valeu?
Não lembrava que já havia elogiado sua pena... Mas você é bom. Em analisar e em escrever. Parabéns! Raro, hoje em dia.
O não é porque eu não crio ilusões. Não significa que não ocorrerá - eu só acho que não ocorrerá, mas, eventualmente, eu me trumbique.
Não haverá mais reformas. Acabou. E pela simples razão de que uma igreja, você até reforma, milhões?, que são independentes?, e tantas nas mãos de doidos? Impossível.
Acredito, aí sim, na reforma de comunidades, sem esperanças ingênuas de que seja um movimento da IGREJA DE CRISTO. Isso não mais. Mas aquela comunidade ali, específica, isso, sim. Mas serão - se houver - poucas. O fato de eu ter causado tanta resistência com um dizer tão simples - o modelo Bíblia e oração aliena - revela que não há boa disposição para admiti-lo e, em sendo assim, nenhuma para a mudança.
Não me incomoda mais.
Só me preocupa como brasileiro. O Brasil é o conjunto de seus cidadãos - e eu tremo de medo pelo que estamos criando, fora da igreja e dentro dela.
Será legal se nos encontrarmos um dia. Piúma é logo ali...
Osvaldo
César, sua questão é, para mim, a mais importante questão teórica de hoje: o que faz com que as pessoas "se deixem alienar". Há respostas da filosofia política (infantilização, assujeitamento ideológico etc), mas não me satisfazem mais, porque podem ser apenas ideológicas, como você bem aponta.
Eventualmente, nós, críticos delas, das neo, estejamos errados. Todavia, anteontem, Waldemiro lançou uma pra de câncer contra o homem que o denunciou ao MP, e isso pela TV e em rede nacional. Isso não pode ser bom em nenhum sentido e, das duas uma, ou as pessoas que lá estão equivalem-se ao apóstolo ou estão "zumbizadas" por alguma razão, seja interesse pessoal, seja o que for.
Minha pesquisa hoje se dá no campo das neurociências, a ver se há mecanismos bio-psicológicos que explicariam esse suposto fenômeno de deixar-se levar.
Quem sabe no final se chegue à conclusão de que está ali um constrangedor caso de plena liberdade?
Osvaldo
Postar um comentário