quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

(2011/098) Porque a Teologia ainda é política


1. Definamos o que quero dizer com política: ação humana direcionada às pessoas, seja para o bem, seja para o mal. Em termos filosóficos, a relação intencional eu-outro/tu. A pastoral é política. Ela não pensa a verdade. Ela até chega a usar o conceito de verdade - mas, quando o usa, tanto sua definição, seu conceito de verdade, quanto seu uso, é político. O critério político da verdade é instrumental, é funcional, é político. A pastoral pensa o que é bom e o que é ruim, quer para si mesma, enquanto pastoral, quer para o povo. Na classe da Faculdade, um teólogo raciocina assim: se eu disser isso na Igreja, debanda todo mundo. E, porque ele ama todo mundo, não vai dizer nada... O amor é um mundo de cuidados...

2. Outra coisa é a pesquisa - a heurística. Sua relação intencional não é com o outro/tu: é com o "mundo", o "Universo", o "real". Se estamos diante de um teólogo, ele não está interessado em saber o que é melhor ou pior para a comunidade - ele está interessado em saber como é que a coisa é, e pronto. Um teólogo de inclinação heurística, na classe da Faculdade, pensará assim: há um descompasso entre o que ensino na comunidade, e a realidade em si (por exemplo, a origem persa da doutrina da ressurreição: politicamente, isso deve ser enconsido [como pode a "verdade de Deus" ter sido "revelada" a outro povo?]; em termos heurísticos, a/de-nunciado [porque a informação de que a doutrina da ressurreição sequer judaica é promoverá uma reorientação da tolerância, e realinhará a reflexão sobre a distinção entre "nós" e "eles"].

3. Aplique-se essa distinção à Teologia, e estará resolvida a questão da chave de compreensão de seu conteúdo. A Teologia não está interessada na verdade - ela já tem a verdade, e a verdade para ela é aquela grandeza operacional, com a qual maneja, controla, "cuida" do rebanho. Tudo quanto levará em questão dirá respeito apenas a isso: o que é útil para a manutenção do rebanho. Para o Protestantismo, isso é mais um dente na engrenagem da disfunção discursiva que aí impera...

4. Nesse sentido, operam-se, hoje, duas injunções: de um lado, é gritante uma reação político-pastoral contra a linha de frente da pesquisa, e sua ação consiste em tornar cada vez menos "dura", cada vez menos "fundamental", cada vez menos "verdadeira" a questão (científica) da verdade, de modo que ela, a Teologia (pastoral/Sistemática) possa promover, sem constrangimentos maiores, as operações político-pastorais que a caracteriza, e isso num ambiente onde a verdade, bem, o que é a verdade, não?

5. De outro lado, mas, a rigor, ainda se trata da mesma operação, parte-se sempre da situação sob controle em que a comunidade está, e argumenta-se sempre no sentido da manutenção do jogo. No fundo, a defesa de "Deus" operada pela Teologia constitui uma operação de projeção programática - o que está em questão é a manutenção do jogo, de tal modo que, se é com as peças e os movimentos xis e ypsilon, que o jogo tem sido jogado, importa, por todos os meios, argumentar pela defesa dessas peças e desses movimentos, porque é na permanência deles que o jogo se perpetua. Parece filosofia, parece epistemologia - mas é política. E "Deus" mesmo tem pouca coisa a ver com isso, conquanto seja o personagem central no tabuleiro...





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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