quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

(2020/003) Modernidade e crença religiosa

1. Claro que há "defensores" da crença. Não diria que exclusivamente, mas diria que quase que absolutamente todos eles, de alguma forma, orbitam o universo da crença. Todavia, o contrário também seria verdadeiro: aqueles que não defendem a crença abandonaram a órbita da fé... No entanto, pelo menos um teólogo admitiu que a condição de crença constitui infantilidade - Bonhoeffer. Não é surpresa que tenha se engajado em atividades subversivas de tentativa de assassinato de Hitler. Acho que a conclusão a que Bonhoeffer chegou se deve à questão que ele mesmo teria levantado: como a Igreja alemã pode ter apoiado esse monstro? E a resposta é clara: instrumentalizando a fé infantilizada e manejando a boiada imatura de crentes. Talvez, se não fossem infantilizados, mas maduros, adultos, não tivessem se tornado instrumento da Besta...

2. A consciência da crença como fenômeno antropológico não é um efeito da Modernidade, como alguns querem fazer crer. Mesmo na Antiguidade já se sabia e escrevia que a fé constitui projeção e fenômeno humano. Aristóteles, por exemplo, dizia que os deuses assumem papeis de monarcas, porque os homens que creem nos deuses têm monarcas... É Feuerbach, mais de dois mil anos antes de Feuerbach.

3. A diferença entre a Modernidade e os períodos antigos é a fecundação social dessas ideias, e isso tem a ver com as mudanças políticas do jogo social, e não com a invenção de ideias novas. As "revoluções" burguesas e a invenção dos modelos cada vez mais republicanos e laicos de sociedade foram, pouco a pouco, permitindo que tais ideias críticas, hoje banais e óbvias, pudessem ser esposadas sem os riscos do passado. Sócrates fora executado pelo Estado como subversivo, porque ensinaria os jovens a descrer dos deuses. Na Idade Média, "hereges" eram executados. A Modernidade, não do dia para a noite, mas lentamente, promoveu condições político-sociais que favoreceram a publicização sem medo das ideias antigas. Ateísmo e agnosticismo deixaram de ser atitudes secretas e perigosas.

4. Esse fenômeno é paralelo à emancipação das mulheres, e pela mesma razão. No século XX, sociedades emancipadas em termos político-legais, isto é, que não operavam mais a partir da órbita das divindades - do deus cristão basicamente - criaram condições para que as mulheres libertassem-se das operações políticas baseadas em dogmas. Na prática, no século XX, os homens não tinham "Deus" a seu lado para colonizarem - como fizeram por séculos - as mulheres, de sorte que elas puderam, passo a passo, alcançar doses cada vez maiores de liberdade civil. Mas nem isso é uma invenção Moderna, conquanto seja, aí sim, uma condição Moderna.

5. E essa é a questão: a Modernidade constrange a crença. Não pelo fato de ter inventado a crítica e a consciência de crença, mas porque o crente não tem a justificativa de que é constrangido a crer. Apenas a imaturidade pessoal e social permite tratar o estado de alienação que caracteriza a fé e a crença como virtude. Não, não é virtude de espécie alguma. E, menos virtude ainda é aquela fé que, além de desconhecer ou fingir que desconhece o fato de que ela é o que é, assume que só ela é a verdadeira fé. Aqui já nos aproximamos daquele tipo de fé que não constitui apenas um conjunto de tolices infantis, mas crimes de gente grande.






OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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