quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

(2019/040) Todo marido violento tem um pouco de Deus

"Por que te espanco?", pergunta o marido violento, já dando ele mesmo a resposta à surrada: "é que não me amas em troca do amor que te reservo!". E arremata: "quando eu te amo, porque eu te amo, tu tens que me amar de volta, e, se não me amas de volta, te arrebento". E mais: "tu deves ser grata pelo meu imenso amor; deves ser submissa ao meu tremendo amor; deves amar meu amor, desejar meu desejo, sofrer minha paixão". E dá as razões: "porque meu amor quer cuidar de você, proteger você, guardar você em relicário. Meu amor quer fazer de você a pessoa mais feliz do mundo!"... 

Bem, naturalmente que a mulher violentada por esse amor violentíssimo não está interessada em nenhum desses argumentos, e está ali, amarrada, exatamente por isso: porque está amarrada, sejam quais forem as cordas, reais ou psicológicas.

Nisso tudo não está, também, a relação de Deus com os homens? Deus nos ama, ensinam-nos os atravessadores do amor divino, os cafetões de Deus: Deus ama vocês! Essa é a notícia mais importante do Universo, eles dizem: Deus amar os vermes! Agora, vem o que eles realmente mercadejam: em troca, vocês devem amá-lo. Nunca haverão de amá-lo tão intensamente quanto ele os ama, mas devem esforçar-se para que ao menos a sombra do amor dele por vocês se pareça com a penumbra de seu amor.

Que significa amar? Submeter-se. Sua vida não é mais sua vida, é a dele. E a isso há quem chame amor! Loucos!

E se não amamos em troca? Ora é saudável fugir desse amor, como é bom para os ossos fugir do marido violento, possessivo... Ah, mas Deus não é assim? Não, é? E o que significam os castigos de amor? E o que significa o inferno, que não é outra coisa que não o hospital de quebraduras para onde o marido manda a mulher que não o ama suficientemente, isto é, que não se submete ao seus caprichos de macho amoroso...?

O Estado do Espírito Santo é, proporcionalmente, um dos Estados mais cristãos do Brasil. Ao mesmo tempo, é um dos campões de espancamento de mulheres que não amam suficientemente seus amorosos maridos. Há quem não entenda isso. Pois este aqui entende perfeitamente.

Agora, quando você não entender porque há mulheres espancadas que não apenas não denunciam seus carrascos, mas com eles ficam até a morte, olhe para as igrejas lotadas. Se ainda assim não entender, deve ter alguma gosma psicodélica embaçando sua visão...







OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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