1. Conta a tradição, incluída aí a tradição bíblica, que, ao lado de Jesus, crucificado, dois ladrões teriam sofrido igual sorte...
2. Jesus, depois disso, tornou-se messias e, mais à frente, Deus.
3. Os outros, permaneceram "ladrões".
4. Um, diz-se, tornou-se "bom" - é o "bom ladrão". O outro, permanece ladrão... Os dois, um bom, outro em silêncio, ladrões...
5. Esse é um belíssimo exemplo de como funcionam as tradições.
6. Para Roma, os três não prestavam - eram igualmente criminosos e mereciam, igualmente, a pena terrível da crucificação. Digamos que Roma não fazia acepção de pessoas...
7. Se perguntarmos a Roma o que Jesus era, Roma nos responderá: "criminoso". Se perguntarmos a Roma os que os seus dois companheiros de suplício eram, Roma responderá: "criminosos". Para Roma, os três estão no mesmo pacote, na mesma rubrica.
8. Quando aceitamos a figura de Jesus como messias, logo, Deus, pronto, a mágica acontece. O que Roma diz dele não nos importa mais: importa o que nós dizemos dele: é Deus, é rei, é Cordeiro, é Filho...
9. Mas não assumimos os outros dois, companheiros de martírio do "nosso" Jesus. Assim, não nos importamos com a classificação jurídica que Roma lhes dá: são ladrões. Viveram como ladrões, morreram como ladrões e sua memória se perpetua em mármore: ladrões...
10. O Cristo, nós lavamos, limpamos, rasgamos os livros romanos que o classificaram como criminoso e re-escrevemos os nossos, em que ele aparece como divino...
11. Se, em lugar de Jesus, o ladrão da esquerda tivesse sido tomado por nós, seria ele lavado, purificado, purgado do que dele disse Roma, e Jesus, largado de nós, estaria, até hoje, lembrado como ladrão e criminoso...
12. Nunca é de Jesus que de fato se trata.
13. É de nós.
14. A fé é um espelho narcisista, um buraco-negro: quando nos entregamos a ela, o mundo se torna, imediatamente, nossa semelhança...
15. Porque cremos em Jesus, Roma não manda sobre seu corpo e alma. Porque não temos parte alguma com os seus dois irmãos de cruz, nem nos damos conta de que aceitamos, acriticamente, a condenação que Roma lhes deu e cobrou.
16. Por que ajo com um de um jeito e com os outros dois de outro jeito? Por que tenho dois pesos e duas medidas? Por que sou tão seletivo?
17. Porque repito as coisas que me mandam repetir.
18. Porque sou papagaio da fé...
19. Porque minha alma ainda é pequena demais e insensível demais para a dor de quem não é eu.
20. Se Roma diz que eram ladrões - deviam ser heróis nacionais, mortos de cruz, como o "Rei dos Judeus", porque queriam a liberdade de sua terra...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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