1. Há duas formas de se protegerem as ovelhas dos lobos...
2. A primeira, é a clássica: fazer dela uma coisa-presa ao próprio pastor, aprofundar nela, para dentro, para bem fundo, para muito profundamente, o senso de ovelha, ensiná-la o balido dos fracos e dos dependentes, desenhar-lhe afrescos de pastores a salvá-la nos penhascos, fazer com que respeite o cajado e a vara, tirar dela tão profundamente sua alma humana que ela se sinta, efetivamente, um bicho de lã...
3. Nesses termos, a ovelha terá em seu pastor uma droga tão poderosa, da qual está tão dependente, que precisará desse opiáceo alucinógeno na veia até a morte...
4. Dificilmente o lobo a levará...
5. Mas não faria (tanta) diferença...
7. Quando vier o lobo, as coisas se resolvem no enfrentamento, que, com os dois pés fincados no chão, o lobo logo percebe que ali não vai uma coisinha de lã a ser comida, mas um homem e uma mulher, inteiros, de pé, prontos a estripar o ventre guloso do canídeo...
8. O problema da segunda opção é que não há garantias de empregabilidade para o pastor. Talvez elas voltem, para rever o amigo que as libertou, talvez não... E talvez o pastor envelheça de preocupações quanto a si mesmo e quanto a suas antigas coisinhas de lã...
9. O problema da primeira é que os lobos tornaram-se cada vez mais adaptados - não atacam mais com dentes e garras, uivos e latidos: sindicalizaram-se, tornaram-se eles mesmos pastores, com grife, e são eles, agora, lobos-pastores, a vender drogas mais pesadas...
10. No pasto das coisinhas de lã, cresciam mudas de Cannabis sativa, Cannabis indica e Cannabis ruderalis. Nos novos pastos dos lobos-pastores sindicalizados crescem papoulas e cogumelos. O rebanho está a considerar mais verdes aquelas gramas.
11. É agora que descobriremos se amam os pastores mais a suas ovelhas do que a si mesmos...
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