1. Depois que o sacerdote leu pausadamente e encarando-a, palavra a palavra, sílaba a sílaba, quase cantando, como uma praga de profeta, aquela passagem que no futuro seria Gênesis 3,15, que ela era maldita, que ela era amaldiçoada, que ela era corrompida e pervertida, que das entranhas dela, de dentro dela, de ser ventre e vértice e vórtice, de seu desejo sairia a amarra que a prenderia a ele, seu homem, que ele, seu homem, lhe seria senhor, e ela, escrava, depois que o sacerdote leu e esperou que ela berrasse e urrasse, ela olhou para ele, de cima embaixo, fitou-o, deu dois passos em sua direção, parou, sorriu, avançou mais três passos, respirando como a ursa brava, ele, suando e aterrorizado, um passo atrás, ela pára...
2. Tudo à volta dos dois pára: o tempo, o sol, o pássaro no ar, a gota de suor da fronte dele... Tudo pára...
3. E ela vira a cabeça para um lado e grita: "Meu homem! Venha cá, meu homem"...
4. E lá vem um homem de lavoura, queimado das intempéries...
5. E ela o fita por dentro, e seu útero o engole inteiro com um beijo...
6. Os olhos do sacerdote vão saltar das órbitas...
7. Vou-te cantar uma canção, meu homem, que esse homem acaba de me inspirar... Ele cuidou vir amarrar as minhas pernas, mas o que ele fez foi me dar voz. Ouça lá...
Cristina Blanco - Sete pedaços de vento
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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