sexta-feira, 15 de junho de 2012

(2012/487) Da "volta de Jesus" e do "temor a Deus"


1. Os alunos vão saber de cara que falo deles, da turma de hoje. A aula era de Hebraico, mas uma coisa traz a outra...

2. Por alguma razão, surgiu a conversa sobre a "volta de Jesus". Aí, brinquei: se Jesus voltar daqui a dez minutos, ainda assim... E, então, brinquei de novo, dizendo assim: faço uma aposta - se Jesus não voltar em dez minutos...

3. Uma aluna, querida toda vida, interpelou-me: brinca com isso, não professor. E, então, considerou que brincar com isso é falta de temor a Deus...

4. Estávamos em uma Faculdade. Algumas considerações são necessárias.

5. "Volta de Jesus". Sim, é uma doutrina das Igrejas. A maioria foge da questão de discutir o "como". Mas há livros à venda, com todas as classificações possíveis e imagináveis: há milenistas, milenistas pré, milenistas pós, a-milenistas, há gente de todo tipo.

6. E há uma categoria: teólogos - e sérios! - que consideram, biblicamente, que não há "outra" volta de Jesus, porque a "presença" a que ele se referia ([n]os Evangelhos) era aquela sob cuja forma ele viveu e morreu. Fala-se, aí, de escatologia realizada.

7. Ora, uma categoria inteira de livros muito sérios, de gente muito séria, considera que toda a expectativa das igrejas a respeito de uma "segunda volta" de Jesus constitui equívoco da Igreja primitiva que, desconsiderando o sentido das palavras de Jesus, aplicou-as, equivocadamente, a um futuro a que Jesus não se teria referido, uma vez que ele teria falado de sua presença lá e então, entre os judeus.

8. De modo que as doutrinas que circulam nas igrejas não tem nenhuma relação direta com Deus - se é que tem relação indireta! São construções elaboradas pelos receptores das tradições, que, por sua vez, receberam de outros, que, por sua vez, receberam de outros e, quando você vai ver a origem, ela chus, e virou bus.

9. Somente a catequese e o púlpito, eficientes em termos psicológicos, são capazes de nos fazer vincular doutrina e Deus. De sorte que, quando se nos apresenta, publicamente e às faces, a declaração indireta de que estamos diante de uma doutrina que, bem pesada, pode constituir ruído do tempo, corremos o risco de nos sentir próximos da blasfêmia, e, por causa disso, tememos.

10. Mas somos teólogos e teólogas. Nunca é Deus quem se ofende. Somos nós! É nossa tradição que é confrontada, e nos ofendemos. Porque, no fundo, não aprendemos que estamos enfiados até o pescoço em pura tradição, e ainda alimentamos o desejo - é só o que é: desejo - de que essas tradições sejam, queira Deus!, divinas.

11. Mas não são.

12. Quando, então, eu digo, de modo muito alegre e brincalhão, para uma turma, que se Jesus não voltar em dez minutos, essa questão específica do Hebraico vai cair na prova, com o que eu quero dizer que não há chance de a questão não cair - porque Jesus não vai voltar (e não voltou!) em dez minutos, isso nada tem a ver com Deus, com temor ou falta dele, com blasfêmia ou reverência: isso é apenas a constatação óbvia de que esses mantras são hipnóticos apenas para quem ainda é rã de charco sob o facho de luz das homilias...

13. Teólogos e teólogas podem, ainda, ser rãs de charco: mas devem comprar e usar óculos escuros, porque, enquanto as homilias nos encantarem os olhos com sua luz cegante não faremos teologia para a qual valha a pena dedicarmos as nossas noites, que melhor gastaríamos no amor quente do corpo amado...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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