1. De teólogos inteligentes que me ouvem dizer que Deus não é o fundamento do amor, e mesmo o contrário, isto é, somente porque a civilização - retoricamente - escolheu o amor é que Deus assumiu esse valor - a primeira reação, automática, é arrostar-me o seguinte contra-argumento: bem, se Deus não é o fundamento do amor, logo, o amor não tem base, e a civilização está perdida...
2. São os teólogos inteligentes. Os outros tratam-me de herege e entregam a minha alma ao diabo. Os santos controlam os diabos, as chamas e as trevas exteriores: são os barqueiros do inferno...
3. Os primeiros não reagem moralmente - reagem teologicamente. É a eles que responderei.
4. Não é verdade que, se Deus não é o fundamento do amor, logo, não há fundamento para o amor. Aliás, o não-fundacionismo só pode ser algo sem fundamento...
5. Primeiro: trata-se de um vício de raciocínio. É fácil de explicar: a situação presente é explicada pela relação entre A e B. Você desmonta a relação entre A e B. O adequado seria, então, suspender-se a explicação da situação presente e buscar-se uma nova explicação. Todavia, o que se faz é julgar o desmonte da relação entre A e B a partir - Deus do céu! - da explicação que era fruto daquela relação que se acabou de desmontar...
6. Para o caso da relação entre Deus e amor: a explicação presente é que amamos porque Deus é amor. Todavia, se eu digo que não há relação de causa e efeito, nessa ordem, entre Deus e amor, em lugar de se abandonar a explicação presente - amamos porque Deus é amor - e partirmos para a pergunta honesta - se Deus não é amor, por que então amamos? - parte-se para a conclusão do desmonte da relação entre Deus e amor pela situação equivocada, presente, de que amamos porque Deus é amor: se Deus não é amor, não há explicação para o amor, não há amor e não preciso amar...
7. Se meu raciocínio estiver correto, segue-se que, ainda que Deus não seja amor, ou, deixemos a chave teológica, seja que apenas projetemos em Deus algo anterior a ele, o amor, resulta dizer que é o amor o fato concreto. Dizer que esse amor é Deus é mera sombra e quimera. Quando a sombra e a quimera desaparecem, o amor continua, porque ele já estava lá antes da quimera e da sombra.
8. O amor está aí. Ele é pulsão humana, biológica, mamífera. Projetou-se nos céus, mas é filho de Sêmen e Óvulo e é nutrido no útero da fêmea... Não, anjos não amam. Nem deuses. Salvo se projetamos neles nossas paixões. E projetamos!
9. Logo, depois do susto de ver o amor perdido, perdida que foi a relação entre Deus e amor, vai-se a relação, fica o amor. É hora, pois, de buscar a sua fonte, origem, razão de ser. E vai-se descobrir que é de terra a sua substância, de carbono e sangue.
10. Todavia, não se vá cair na armadilha polar - o homem não é amor. Ele ama, pode amar, mas é outras coisas ao mesmo tempo: é morte também, quero dizer, é caçador, tem de matar para viver. É apenas porque homem é, ao mesmo tempo amor e morte que Deus foi, ao princípio, amor e morte. Por isso - e só por isso, Deus matava e curava, porque isso é o que os homens são.
11. Até que a hipocrisia retórica e a moral assumiram o controle da Fera, e o tornaram a expressão castrada de um gatinho de três semanas (que esconde dentro de si um Pai assassino e um Juiz encoleradíssimo, todavia... [e é isso que explica a história hipócrita da Fé Cristã - a retórica cínica do amor e o gatilho no dedo!]).
12. Depois de fazer de Deus a imagem castrada do amor, foi fácil enganar a todas as pessoas que elas devem amar porque Deus ama e é amor, e também matar quando Deus quer que mate: é a corda que liga o boneco de marionete: o poder pucha os fios, você ama, o poder pucha os fios, você mata.
13. "Deus"? Faz-me rir. Se há, está para muito além desse jogo macabro de amor e morte...
14. E, a despeito de tudo, pode-se amar - porque o amor é anterior a tudo isso, e sobreviverá a tudo isso, porque não tem outro fundamento que nossa carne nutrida pelas mamas de nossas mães.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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