1. Eu tenho sérios problemas com Jesus.
2. Primeiro, porque não assumo Nicéia. Uma vez que o Cristo da Fé é fruto desse Concílio, ele não me atende - e isso não por uma insubmissão moral: mas por questões histórico-teológicas incontornáveis que não cabem numa explicação corrida. Não assumo doutrinas "de fé". Ponto.
3. Segundo, porque não somo os testemunhos do Novo Testamento para, com eles, fazer um saladão de Jesus. Cada Evangelho pensa um Jesus diferente. Muitas das imagens são irreconciliáveis, porque são teologias de grupos sociais diferentes. Fazer o saladão é pôr-se ou a serviço de Nicéia ou a serviço de outro "concílio".
4. Leio os Evangelhos atrás dos testemunhos - e encontro vários.
5. Jesus é um monte de coisas ali. É rabi, é revolucionário, é curandeiro, é exorcista, é rei, é profeta, e um Elias reencarnado, é o Pantocrator, e o soter. Insisto: não somo essas imagens, porque elas não têm a intenção histórica de serem somadas. Nenhum Evangelho foi escrito para ser somado aos demais - sequer para compor(em) um "Novo Testamento". Assim, paro, confuso, diante da multidão de retratos.
6. Alguns são verossímeis, historicamente falando. Outros, não. Uns, é provável que Jesus mesmo tenha aplicado a si. Outros, são imagens que lhe puseram as gerações posteriores. É difícil decidir o que é o que.
7. A questão de Jesus como rei, por exemplo. Todos os Evangelhos registram que no topo da cruz foi posta uma tabuleta: Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus. Não é de Belém e é rei dos judeus. Se há uma imagem que me parece original, penso que pode ser essa.
8. Se for, faz sentido que ele tenha dito - se foi ele mesmo - que o "Filho do Homem" (isto é, a meu ver, o rei) não veio para ser servido, mas para servir. Um reino diferente. Mas, ainda assim, um reino, com trono e tudo, e tanto que já se está, nessa mesma passagem, a querer decidir quem sentará à direita e quem sentará à esquerda...
9. O messias judeus deveria ser um rei - porque se deveria expulsar Roma. Por isso Roma o matará. Faz sentido. Deus, há séculos, como todos os deuses, era rei. Israel, reino de Deus. O batista veio a pregar o Reino. Jesus veio a pregar o Reino - dirá Marcos.
10. A Teologia Liberal europeia, muito atenta à exegese, percebeu que a camada relacionada historicamente a Jesus não o põe a pregar-se - mas ao reino. Um liberal não prega Jesus: prega o Reino (quantas implicações para a Conferência do Nordeste e suas repercussões!).
11. Mas a questão é: por que reino? A resposta é simples e chocante - porque os reis controlavam os deuses. Nada mais do que isso. Ainda que o projeto de Reino de Jesus seja um projeto - eventualmente - diferente, ainda assim era um reino, porque seria rei, e reinaria, ainda que com justiça, quero crer.
12. Todavia, não é a forma em si que importa - é a coisa que se jogará: justiça.
13. Hoje, dois mil anos depois, numa democracia, falar em reino é fetiche. Não interessa o reino - a palavra é imprestável e perigosa. O que interessa é o projeto, o serviço. Eu arriscaria dizer que no lugar do reino está, hoje, como seu substituto histórico, o lema Igualdade, Liberdade e Fraternidade, o Estado Democrático de Direito, as liberdades individuais, a cidadania, a reformulação das relações desiguais da vida humana.
14. Acho que se Jesus nascesse hoje, não usaria mais o termo reino.
15. Assim como acho que ele jamais aceitaria a imagem de Cordeiro.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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