quinta-feira, 29 de março de 2012

(2012/333) Ah, agora entendi... Ou: quando a emenda sai pior do que o soneto

1. É assim: você escreveu? Pôs na web? Quer ser lido. Quer ser lido? Tem que querer ser lido e criticado.

2. Com criticado eu quero dizer que olhem para o que você está escrevendo por um ângulo que, se você não olhou, então olhe - mas, se olhou, e ainda assim escreveu, Deus nos livre!

3. A arapuca de você querer dizer que o que os "outros" fazem com o Antigo Testamento - "eles" - é confusão, mas que você tem a receita prontinha para ler adequadamente...

4. Se se fica apenas na questão dos métodos, vá lá - o risco é pertinente.

5. Mas se você vai para o campo de dar a interpretação "adequada"...

6. Para combater a "confusão" que as igrejas fazem com o Antigo Testamento, escreveu-se um texto, do qual extraí a parte seguinte:
4. Antes de pregar ou cantar um texto do Antigo Testamento é preciso entendê-lo 
Nem sempre é fácil entender um texto do Antigo Testamento. Muitos textos precisam ser bem estudados, compreendidos em seu contexto e em sua limitação circunstancial e teológica. Veja por exemplo o potencial destruidor do mau uso de um texto como o Salmo 137.9. Se o intérprete não entender que o texto fala da justiça retributiva divina dada aos babilônios imperialistas, as crianças da igreja correrão sério perigo!

7. Quer-se fazer entender o Antigo Testamento. O exemplo em tese é Sl 137,9: "feliz quem pegar teus nenês e der com eles contra a rocha", diz o salmista, pensando na Babilônia. Um texto pesado, de ira e vingança.

8. Quer-se denunciar o perigo do "potencial destruidor do mau uso" do Sl 137,9. A receita é, então, dar-lhe o "bom uso" - e é esse: trata-se da justiça retributiva divina...

9. Deus me livre! Se esse é o bom uso, qual será o mau?

10. Primeiro que eu tenho sérias dúvidas se há algo de "bom" em levar a sério, literalmente, que se trate de "Deus" em qualquer parte do Antigo Testamento - seja um texto de ética boa, seja um texto de ética má, para o bem e para o meu, todos os textos - do AT e do NT - são textos humanos. Também esse. Esse e todos os demais.

11. O bom uso seria ter sempre em mente isso: são pessoas, manifestando-se, dizendo o que pensam, sentem, seja bom, seja ruim.

12. Mas o bom uso, senhores, não: o bom uso é dizer que se trata da justiça retributiva divina pegar criancinhas e dar com elas contra a pedra. Não que eu pense que Deus não possa fazer isso. Trata-se apenas de que eu sei - e o articulista, também - que se trata, sempre, do que os homens disseram que Deus faz ou não faz, do que Deus gosta ou não gosta.

13. A sanidade, a única possível, é denunciar que os textos bíblicos são assim - humanos. É má pedagogia e má teologia fazer com que esses textos recaiam ingênua ou astutamente na mente de Deus.

14. Posso entender o sentimento do salmista. Posso entender sua revolta. Posso entender sua ira, seu sentimento de vingança. Nós homens somos assim. Também posso entender que, nesse mesmo momento em que ele escreve, há milhares de judeus que, lá em Jerusalém estão a se rir disso, dizendo e cantando: bem-feito!, porque odiavam o rei, os sacerdotes e o templo, e, para eles, Yahweh destruiu tudo e foi é tarde.

15. Assim, dizer que se trata de Deus a voz do salmista é esquecer que há gente em Jerusalém que pensa justamente o contrário - que foi antes é Deus a destruir Jerusalém.

16. Pode-se tomar partido?: Pode, vai para a direita ou para a esquerda, risco seu. Pode você pôr Deus nisso? Pode, mas eu vou alertar para o fato de que isso é mera projeção de sua ideologia em "Deus". E crer você nisso não torna isso verdade.

17. Qualquer coisa que você fale sobre Deus; qualquer coisa que você leia de qualquer teólogo - inclusive de mim; qualquer coisa que você leia nos Concílios "universais" e nos "particulares"; qualquer coisa que você ler nas Declarações de Fé; qualquer coisa que você ler na Bíblia - fomos homens que escrevemos, é é como escritos humanos que devem ser lidos.

18. Pode-se chamar de espiritualidade ver Deus em tudo - mas isso não é espiritualidade, não: é teologia irrefletida, normativa, de osmose, de onda e maré, de interesse, porque Deus está onde você diz que está - e só lá. Um sujeito com olhos de ver não demoraria mais do que dois minutos para entender que Deus está é em seus olhos...

19. Assim, do alto de meu senso crítico, mas com a humildade de reconhecer que sempre se pode estar enganado, deixe-me dizer que não há nada de sadio nem de não-confuso, muito menos de bom, em tratar textos de violência humana ou divina como textos de justiça retributiva divina.

20. Seja uma moça de canduras, seja um dragão de fogo e chifres, Deus é o que se diz que ele é - e mais nada. O que quer que ele seja, se é, fora do que dizemos, fora do que dizemos permanecerá. Dentro de textos, falas e retóricas - tripas humanas, de esquerda ou de direita.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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