quarta-feira, 14 de março de 2012

(2012/283) Viviane está desesperada por causa do Hebraico

1. Facebook é uma maravilha. Uma aluna mandou uma mensagem sobre seu "desespero" com Hebraico. Entre as respostas, além da de "Deus" [Deus é o Diretor financeiro da Faculdade Unida :o)], a de um rapaz que não conheço. Ele deixou essa mensagem, que, me parece [equivoco-me?], fala por si mesma: "(Viviane) Depois te falo pessoalmente sobre o que eu acho de "ter" que aprender isso. Não sou louco de levantar polêmica aqui". Não sei se minha resposta será exagerada. Mas já saiu. E aí está - com o perdão de qualquer exagero e desentendimento.

2. "Não sou louco de levantar polêmica aqui". Não é. Mas levanta. Não é preciso escrever de a a z - de a a c a gente já entende. Esse "ter" é revelador: "Depois te falo pessoalmente sobre o que eu acho de "ter" que aprender isso". Estuda-se, porque se é obrigado. Se não fosse, não estudava. Por quê? Porque, no mínimo, é inútil. Não serve para nada.

3. Sim, é verdade. Estudar Hebraico é inútil. Não serve para nada. Aliás, vou mais longe: estudar a Bíblia é inútil. Serve para menos ainda. No Evangelho como hoje se vive e prega? Inútil. A maior perda de tempo.

4. Primeiro, porque a Bíblia virou voodoo. Nenhum problema com voodoo - a princípio. Mas quando a Bíblia vira voodoo, Salmo 91 aberto para espantar mau olhado, diabo e mais que o valha, bem, de que serve lê-la? No restaurante aqui perto da Unida tem uma Bíblia aberta no Sl 91, folhas amarelas, respingos de café, poeira em cada letra - o diabo não chega nem na porta, e o olho grande que entra, derrete pelo "poder" da "palavra"... Precisou de Hebraico? Não, a ARA, mesmo...

5. Segundo - é a doutrina, estúpido!, alguém me dirá, para lembrar-me que se finge que se lê a Bíblia e, ao fim e ao cabo, repete-se é a doutrina da Igreja. Todos fazem assim, de católicos a neopentecostais, passando pelos tradicionais e pelos carismáticos medianos. Ora, para que ler a Bíblia, se o que você tem que entender é o que o pastor diz? E para que, então, pior ainda!, Hebraico? Para nada. É coisa de Satanás. Uma inutilidade inútil. Um iPad com mantras homiléticos para ouvir na condução resolveria... E é chique...

6. Terceiro: a Bíblia virou um livro de promessa para arrumar emprego e curar dor de barriga, um poço mágico de subjetividades alegóricas, um telefone sem fio para o além - e só e mais nada. Para que estudar? Para que ler? Para que Hebraico? Perda de tempo. Inutilidade absurda... Se Deus ouve e fala é Português, para que a "consulta" em Hebraico? Só para complicar...

7. Quarto - e aqui angariarei a ira de muita gente: não precisa estudar, porque o Espírito revela. Sim - respondo no cume da montanha ironia: que o digam as centenas de milhares de denominações, cada uma falando pela boca do... Espírito Santo.

8. Todavia... Fora da desrazão da moda, fora da luta contra as legiões, fora do controle denominacional, fora das "promessas" que dão alma a um povo perdido de sentido, a Bíblia é livro, texto, escrito há dois mil anos, dois mil e quinhentos anos, em Grego, Hebraico e Aramaico. Tem de ser lido, se alguém quer entender. Nada substitui a sua leitura. Se possível, na língua original, nem que seja para consultar shalom ou 'emet. Teólogos que não o fazem, teólogos de Igreja? Imperdoável.

9. Nossas versões são sofríveis. Sob encomenda do púlpito, servem bem ao saladão de doutrinas. Mas são horríveis para uma compreensão do sentido histórico dos textos. Ninguém precisa crer em mim. Se não querem ler, não leiam. Se acham que o velho Almeidão está bom, que seja. Há muito, perdi a esperança de que vamos para um lugar melhor - a cada dia que passa, as coisas pioram no Evangelho. Não tenho esperanças. Sobreviverão guetos de resistência e um mar de desrazão.

10. Se nada mudar...

11. A resistência se faz no canto. Estudando. Sem deixar-se levar pelo mar, pelo tsunami. Não é trabalho para a multidão - a multidão nem mais pessoal é, é impessoal, é onda, é maré. A resistência, não: é coisa de fazer-se em casa, de guardar-se, de saber que faz frio lá fora, mas que o sol brilhará, mais tarde. Talvez. Mas que, se não, guardei-me do vento na cara...

12. Eu lamento o que o Evangelho fez com as Escrituras. Lamento profundamente. Chegar a considerar inútil o que foi a marca fundamental da Reforma. A cinco anos de comemorarmos os seus 500 anos, vejo que ela está morta, sepultada e enterrada. E o pior: desgraçou em milhões de pedaços o que nunca mais se corrigirá. Nunca mais haverá outra Reforma. E a primeira e única morreu - se algum dia chegou ao Brasil.

13. Resistência - firme. Por nenhuma outra razão que não essa: resistir. 


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

PS. reconheço todo o direito de a Igreja negligenciar a Bíblia, o Grego, o Hebraico. Reconheço o direito que a Igreja tem de pouco se importar se os crentes sabem ler. Reconheço o direito que a Igreja tem de fazer da Bíblia magia e exorcismo de mesa. Não estou aqui para mudar o mundo. Todavia, o que aí se faz é o que aí se faz. Para quem deseja sair desse mar, uma alternativa é estudar a Bíblia com zelo, cuidado, atenção, crítica, método, critério, juízo. Não é para qualquer um. É para quem deseja.. Para quem quer. Para quem acredita. E, então, tome Hebraico.

2 comentários:

NELSON LELLIS disse...

Osvaldo, sabe que tenho concordado com suas aulas e linha de pensamento. Não tenho a metade de seu conhecimento na língua, mas tenho estudado o hebraico e tentado converter minha leitura e estudos.
Poderia(m) questionar sobre as comunidades afastadas do grande centro; sobre os líderes que não possuem acesso a estudos como outros... Ou: Como proceder com um ensino crítico numa zona rural?
Daí, me recordo do primeiro bolsa-escola do país.
Bem no início do séc. XX, o Sr. Stuart Edmund MacNair (movimento dos irmãos) veio "pregar o Evangelho" na cidade de Carangola-MG, concentrando seu trabalho em Conceição do Carangola.
Joaquim Mafra, aluno na década de 20, em sua biografia registrou que o curso bíblico que era dado pelo movimento dos irmãos, tinha na grade tanto grego como o hebraico.
Depois dos estudos, o professor entregou uma quantia em dinheiro ao Mafra, considerando o tempo que ficara fora do trabalho no campo, e disse: "Entregue isso ao seu pai. Foi pelo tempo em que esteve estudando".
Penso com meus botões, será que a proposta inicial do movimento dos irmãos estava certa?
Resposta: depende, se alguém acha o hebraico importante para o desenvolvimento, sim.
Hoje, o movimento dos irmãos perdeu muito dessa progressão. Muitas denominações (note minha generosidade em não dizer todas) perderam o foco.
Não pretendo erguer bandeira denominacional, só aponto um fato histórico.
E se o senhor, prezado professor Osvaldo, já perdeu a esperança, temo o que o movimento atual das igrejas podem ainda fazer com os estudos da Bíblia.
Sinceramente,
Lellis

Peroratio disse...

Que história bacana. Não conhecia. Onde posso encontrá-la?

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