segunda-feira, 27 de junho de 2011

(2011/401) É que à arte basta dizer...



1. Corrigindo uma pilha interminável de trabalhos - parece até a máquina de produzir castanhas de Mariazinha, de um livro que li em longínquas e perdidas eras (e que pelo menos mais uma pessoa conheceu!).

2. Pois bem, às 17:32, leio: "concluo que o conhecimento intuitivo e artístico continua revolucionando e dando respostas simples, mas não simplistas, para questões que a razão, tão complexa, sofre para destrinçar". Foi um aluno que escreveu.

3. Outro dia, ouvi também, dessa vez publicamente, uma louvação da poesia. Também se tratava de "Deus", como é o caso do trabalho do aluno, ainda que indiretamente, já que ele analisava a letra de Invocação, de Chico César. "Teologia só se pode fazer com Teologia" ou "de Deus só se pode falar por meio de poesia" ou "Teologia é poesia", dizia o "teopoeta"...

4. Tudo bem. Não reclamo. Reclamo se a isso se chamar "conhecimento". Não é, não. É mito. E despesa sem prestação de contas: não passa na Receita...

5. Eis aí a distância incomensurável entre arte e ciência - e não se trata de julgar o valor de ambas. Não se trata disso. Trata-se de resistir a toda e qualquer tentativa de nivelá-las onde não se deve, não se pode. "Conhecimento" se obtém por meio de "pesquisa" - caso contrário, pode-se ter tradição, gosto, cultura, até, mas, eventualmente, com bases "materiais" absolutamente equivocadas. Já "gosto" é coisa que vale para a arte... Mas gosto não é conhecimento. Intuição até pode se tornar conhecimemento - mas sob uma condição: se ela buscar testar-se. Intuição automaticamente aplicada não tem qualquer garantia de fundamento... Um iluminado qualquer pode até crer em sua própria intuição - mas querer que os outros creiam, bem, não me parece ético... Há que se prestar contas, para se poder chamar a isso de conhecimento...

6. Mas talvez seja essa a questão: vivemos uma época em que cada um quer ser livre para dizer o que quiser e chamar isso do jeito que quiser. Tivesses a era do sexo livre, do corpo livre, agora, quer-se a boca livre: a boca é minha, digo o que quiser... Verdade: mas ponhas um percevejo em tua boca, querido, ponha! É tua a boca - mas o ácido é do inseto! Bebas losna, querido, bebas... A boca é tua - e o amargo o será também...

7. Passou a época do sexo livre. Tudo passa. Passará a era da boca livre... Aí, a arte voltará a ser arte, e a ciência, ciência. Isso se não morrer antes. É que a ciência tem de prestar contas, todos os dias. Ela não reclama - é isso que é ciência: mais do que dizer, é prestar contas do que diz. Mas, se inventamos de haver jeito de dizer que sabe sem prestar contas...

8. Já a arte, bem, a arte basta que diga... Mais nada... E uns dizem com extrema beleza e encanto: outros, acham que o dizer pelo dizer é arte... Pobreza de espírito, meu Deus!







OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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