segunda-feira, 27 de junho de 2011

(2011/400) Pragmática e sujeito de si - porque o jogo precisa ser evidenciado, ou, caso contrário, perde-se a fonte do sentido da ação consciente


1. Não estou certo de que a "Pragmática" tenha nascido com Peirce. Li que nasceu aí, outro dia, num livro de Pragmática que me bateu às mãos (Kanavillil Rajagopalan, Nova Pragmática - fases e feições de um fazer, Parábola, 2010). No último capítulo, "Os Caminhos da Pragmática no Brasil", citando E. Guimarães, dessa vez em "Sobre Alguns caminhos da pragmática - sobre pragmática" (1), o autor transcreveu: "para não sair dos limites relativos ao tempo da chamada lingüística moderna, podemos dizer que [a história da pragmática] remonta ao filósofo americano Charles S. Peirce".

2. Tudo bem - está lá a ressalva, há uma circunscrição de limite no campo cronológico e temático. Todavia, talvez resida justamente aí o problema dessa suspensão de recuo de tempo, quanto faz se trate de "História da Pragmática". Ora, o próprio Peirce faz remontar o termo a Kant, e, se vamos a Kant, somos remetidos a Aristóteles. Escrevi sobre isso algumas brevíssimas considerações, muito introdutórias e inconclusas, que se publicou na revista Caminhos. E é isso que me fez achar problemático parar a história nesse ponto.

3. Talvez meu olhar seja na direção oposta - quero saber de onde vem essa percepção de pragmática, quero saber como a práxis foi ressuscitada, e como se encontra hoje. Por isso olho, primeiro, para trás. O(s) autor(es) citado(s) preferiram olhar para a frente, um tanto quanto disciplinarmente... Mas se não nos damos conta do caráter da pragmática em sentido amplo, a sua aplicação - por exemplo - em "lingüística" - pode ficar comprometida por força de uma "resignificação" do conceito em termos "aceitáveis" à disciplina, uma resignificação, pois, local.

4. Agora: em Kant, pragmática se trata da observação da ação humana. Ciência da observação (Beobachtungslehre), Kant dizia. Porque se trata da ação - se trata de investigar exatamente, rigorosamente isso - a ação humana, a práxis desse e daquele sujeitos que agem. Ora, se exatamente isso - a ação humana - não é suficientemente tratada, como se pode transportar a palavra "pragmática" para qualquer disciplina sem incidir em risco gravíssimo de falsear - ainda que inconscientemente - justamente aquele elemento - a ação subjetiva e intencionalmente marcada - que se tem por diferencial entre, por exemplo, novamente, uma "lingüística" pragmática de uma não-pragmática?

5. Penso que não se pode lidar cientificamente com o "humano" e com qualquer coisa que se relacione a ele, sem que se tenha, antes, tratado de inseri-lo no "jogo" das ações humanas. O que define o sentido - na perspectiva do sujeito - de uma ação é a intencionalidade aplicada, e, nesse caso, pode-se, com Aristóteles e Kant, falar de três "jogos", três dimensões da ação, representadas, cada, por um verbo clássico: sentir, querer, saber.

6. Logo se vê que o conceito de pragmática é maior do que o conceito de ação: "saber" não é rigorosamente uma ação. Todavia, as ações humanas - todas - inserem-se em uma dessas três câmaras pragmáticas, subsumem-se a um desses três verbos. A despeito de as três pragmáticas estarem inextricavelmente relacionadas em qualquer ação, deve-se ter em mente que uma e apenas uma das câmaras age sobredeterminantemente, e é ela que define o "jogo".

7. No caso, de novo, da "lingüística", nunca se poderá confundir uma ação pragmática relacionada a sentir - uma poesia, por exemplo - com uma pragmática relacionada ao querer - um hino nacional, por exemplo. Tão pouco serão a mesma coisa do que um estudo sobre essa poesia ou sobre esse hino nacional. De sorte que a pragmática - estética, política ou heurística - interfere de modo inescapável na ação, porque a ação dá-se, sempre, em termos pragmáticos e no contexto de uma única pragmática. Sendo assim, não pode haver um modo "igual" de lidar com uma ação lingüística pragmática de caráter estético, uma ação lingüistica pragmática de caráter político e/ou uma ação lingüistica pragmática de caráter heurístico.

8. Não se trata apenas de pôr de volta o sujeito no mundo - isso é pouco, é realmente muito pouco: trata-se de perguntar pela conseqüência desse sujeito voltar ao mundo. E, cá entre nós, a saída "relativista" é realmente de uma pobreza incomensurável. Se, por um lado, perdemos o chão absoluto do homem, uma vez que a Teologia deixou a cena político-filosófica faz já duzentos anos, mais ou menos, por outro lado não é menos verdadeiro que a ação humana encontra-se, o tempo todo, sob chão firme - ainda que esse chão seja, por um lado, determinado pelo "jogo" pragmático" jogado e, por outro, pela intencionalidade situada desse sujeito que age.

9. O homem não é apenas um animal hermenêutico - a operação concreta dessa sua faculdade hermenêutica dá-se numa pragmática, desdobra-se, sempre, pragmaticamente. De sorte que, tratar qualquer "caso" concreto de ação humana - interpretação, linguagem, ação - fora do diagnóstico pragmático pertinente corresponde a - de novo - tirar o homem do mundo. E, agora, pior, tirá-lo de seu único mundo possível - aquele em que o mundo humano é efetivamente construído.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(1). Recorrendo à ajuda do Oráculo, encontrei a referência completa: GUIMARÃES, E. R. J. Sobre alguns caminhos da pragmática. In: Sobre Pragmática Série Estudos-9. Publicação do Curso de Letras do Centro de ciências Humanas e Letras das Faculdades Integradas de Uberaba-MG, 1983.

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