domingo, 9 de janeiro de 2011

(2011/008) Do acúmulo de caixas umas sobre as outras


1. O que conta, mesmo, é a caixa de baixo - é ela que sustenta toda a pilha de cima. Todavia, o que se quer é pôr caixas pilha acima, e caixas é o que se põe, uma, duas, três... Muitas vezes, a tarefa resume-se a isso, simplesmente: pôr caixas, repetir o gesto circunvizinho, perguntar à onda o que fazer, e ouvir, sem surpresa: pôr caixas...

2. Por alguma razão, não gosto de pôr caixas. Sim, as pilhas intermináveis me deixam incomodado, é claro, mas não consigo entrar na fila das empilhadeiras. Pelo contrário. O que gosto de fazer é denunciar que as caixas de cima estão postas sobre uma caixa errada, dizer que, se o que se devia fazer é pôr caixa igual sobre caixa igual, então toda a pilha está errada, porque a caixa de baixo não tem nenhuma relação com as de cima.

3. Hoje - hoje? - está um calor anormal. Acordei, pois, mais cedo do que de costume, e, porque estou separando material para Vitória, dei-me com o livro de Haroldo nas mãos, Toda a Criação. Folheando-o, de novo, deparei-me, outra vez, com o artigo sobre o Sl 8, e, mais uma vez, ouvi dizer que o "filho de Adão" do salmo é uma referência à criação, a Gn 1,1-2,4a.

4. A primeira vez que me lembro de ter ouvido isso, em tempos acadêmicos, foi na UERJ. Tão desgostoso fiquei, não pelo teor da conferência em si, mas da reação "professoral" à minha fala, naquele dia, que escrevi um texto sobre ele: Sl 8,2-10: o "filho de homem", quase-deus, governa sobre a criação de Yahweh. Não foi tanto a recusa de minha tese, quanto à arrogância da contradição, deixo o registro. Deve-se estar pronto para a refutação das hipóteses defendidas - mas o espírito de incerteza deve prevalecer sobre todos, indistintamente.

5. Pior do que empilhar caixas, é perder a noção de que essa atividade tradicional faz-se com base na onda da tradição, e que deveria ser sempre muito salutar a prática da verificação crítica da caixa de baixo, dos fundamentos. Perder de vista a autocrítica, a "humildade", é um perigo que ronda a todos.

6. Quanto ao "filho do homem" do Sl 8, continuo apostando minhas fichas na sua relação com o "rei". Quando escreveu seu ensaio, Haroldo apostava na condição genérica - "humanidade" - dessa referência. Como andará seu pensamento hoje, depois que a releitura "cosmogônica" de Gn 1,1-2,4a passou a "rondar" sua pesquisa?



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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