sábado, 3 de outubro de 2009

(2009/514) No ar da noite... com Bel


1. Os tons graves me deprimem, e, como inseto encantado, bato-me contra sua luz, deprimindo-me até o prazer da lágrima. In the Air Tonight, de Phil Collins, foi um de meus feitiços de adolescência, magia a me transportar para o mundo dos zéfiros, dos trasgos, das quimeras, das peles adolescentes das ninfas d'água. E, então, eu não sabia o nome dessa patologia doce e perigosa, que arrasta você como o canto de sereias, e você vai, anda sob as águas, Pedro enfeitiçado, até que afunda, afunda, e não volta mais...

2. ... até que a virada dos tambores arranquem você da hipnose, e você volta, e vê Bel ao seu lado, sorrindo, doce e morena, quase negra como seus olhos negros e seus nigérrimos cabelos, e você descobre que a lágrima é boa, mas a pele dela é mais suave...














Claustro e corpo
Osvaldo Luiz Ribeiro
Monge de mim, meu claustro são as pedras da minha carne, cortadas a frio, nas pedreiras do tempo da infância, cada bloco uma dor na negra noite que não voltará. A sombra e a bruma me acompanham, e foge o sol. Não há janelas, senão um fosso, por meio de cuja boca não vejo o fundo, e escadas que me chamam, que eu vá, que eu desça, que eu fique lá. O silêncio é suportável, e as paredes, frias. Não preciso dos olhos, que fecho, da boca, que fecho, de ouvidos, que fecho. Úteis me são as mãos, na parede, no chão, na boca do fosso, dentro de mim. Lá de fora, vem-me uma voz antiga, voz da cobra e do lagarto, uma voz de visgo, quente e úmida, de língua a cheirar o ar – eu sou a presa... Eu abro os olhos, os ouvidos e a boca. Querem-na as mãos. Range a porta de madeira, reclama a morta de séculos. Entra a luz, que cega, sim. Mas eu quero esta cegueira, de crer que ouço a voz dela, de crer que toco o corpo dela, de crer que estou vivo, de fingir que há luz. Monge de mim, reluto entre o fosso do chão do claustro, pra onde me quer levar a minha alma, e a luz da voz dela, que me arrasta pelos cabelos, que me agarra pelas mãos, que me hipnotiza os olhos, que me seduz os ouvidos, serpente divina, que me tem a seus pés.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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