domingo, 4 de janeiro de 2015

(2015/015) Desmitologização controlada em Bultmann

Mas como assim você não entende que Bultmann faz desaguar toda a sua teologia em um indisfarçável mito, a despeito de "desmitologizar" o Novo Testamento?

Ora, meu amigo, acompanhe o arrazoado.

Bultmann, com acerto e coragem, afirma, sem pudores, que as maravilhas do Novo Testamento são mitológicas: nascimento virginal, ressurreição, ascensão, tudo construto mitológico, à semelhança dos mesmíssimos correlatos nas religiões da época - mito grego, mito romano, mito judeu-cristão.

Todavia...

Bultmann diz que a pregação disso, o querigma, o instante e o fato de proclamação homilética disso é o momento propício e aceitável de Deus. Não é o conteúdo, não são as narrativas, não é a história, não é o passado - é a pregação. Na pregação e só nela, abre-se um portal, um instante, durante o qual Deus aceita o homem que a ele se dirige...

Ora, se isso não é mito...

Mas Bultmann foi genial, a despeito de sua simplicidade. O que ele fez? Ora, tome-se a eucaristia. Para ele e os de sua denominação religiosa, aquilo era um pé de trigo, comido de gafanhotos e lagartas. Colheu-se. Fez-se a farinha. Pôs-se no saco, na prateleira do supermercado, três euros o pacote, mistura-se à água da torneira, bate-se na batedeira, faz o bolinho, quero dizer, a hóstia, e, agora, no momento do rito, como num passe de mágica, eis o sacramento de Deus...

Ora, todo mundo sabe que aquilo é farinha de trigo! Mas vira sacramento, no e somente no rito...

O que ele fez? Ora, todo mundo sabe (e quem não sabe deveria estudar mais um pouco a história das religiões - e rápido!) que as narrativas e as maravilhas do Novo Testamento são - todos - capítulos da história dos mitos. Não escapa um.

Mas e daí?, pensa Bultmann. Por que eu preciso fingir que não é?, ele ainda pensa consigo mesmo. Que seja mito, tanto quanto aquilo ali é farinha de trigo. Mas, na pregação, no rito, na nave, farinha de trigo vira corpo de Cristo e mito vira querigma salvífico.

A seu tempo e modo, alguém que tentou salvar a pregação, o pregador e o pregado.

Do início ao fim, todavia, mito.







OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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