segunda-feira, 8 de julho de 2013

(2013/699) Bíblia, sociedade e jogos de mesa


Basta que as pessoas vivam a coisa e ela se torna funcional - socialmente real.

Foi o caso da monarquia. Começa para proteção. Depois, o protetor usurpa as benesses. São necessários mitos de entronização, a religião dá uma forcinha, a coisa dura cinco mil anos... Hoje, até a Bélgica tem rei, os países escandinavos, alguns, a Espanha, a Inglaterra - tudo país "moderno", cujas monarquias, espertamente, sobreviveram à Revolução Francesa...

Não há nada de absoluto na monarquia - além das armas e, hoje, do dinheiro. A magia é apenas a crença geral: o rei passa a fazer sentido, parte do dia a dia, como a árvore e as fezes de cães e ratos pelas calçadas...

A mesma coisa vale para a Bíblia. Não fôssemos cristãos ou não fosse a Bíblia um livro nosso, leríamos e teríamos asco de muita coisa. Trataríamos a sua esmagadora maior parte como mitologia barata e admiraríamos, sem conseqüências para a civilização, alguma parte interessante e, mesmo, nobre. É o que fazemos com todos os outros livros, criticando as mitologias grosseiras, admirando as partes que são "nossa cara" e ponto de volta à estante, por completo desuso...

Mas inventamos de fazer uma civilização em que o roteiro social se baseia nos códigos desse livro. Então, ele passa a fazer sentido - unicamente porque reflete, nos nossos termos, a nossa sociedade. Acreditamos que a sociedade vive segundo as Escrituras, e é esse acreditamento que dá sentido ao livro.

Podíamos trocar de livro que daria no mesmo. Podia ser o Corão ou um livro de RPG de mesa. No fundo, a Bíblia é um livro de RPG - cujos mestres narram partidas desde seus respectivos púlpitos. A única diferença é que se trata de um RPG que não pára de rodar, esteja você dormindo ou acordado: um MMORPG de mesa...

Não, não estou usando uma metáfora: estou dizendo que o enredo que inventamos para nossa sociedade é tirado daquele livro e, como a vida se mantém nesse enredo, é ele quem se pensa reger o jogo.

No fundo, é o contrário: é apenas porque o jogo é esse que esse livro, e não outro, está posto e aberto.

Tudo isso é artificial, arbitrário, aleatório - mas, uma vez que se começa a narrar a partida, e uma vez que todos se engajam nela, cria-se essa ilusão de realidade.

O fato de ser uma partida à vera não muda o fato de que é apenas um jogo.

Como podia ser qualquer outro.

Até certo ponto, para mim, game over.





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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