
2. Na sessão história de 07 de janeiro de 1890, oito homens homens fixaram as bases da condição laica do Estado brasileiro: Deodoro da Fonseca, Aristides da Silveira Lobo, Ruy Barbosa, Benjamin Constant, Eduardo Wandenholk, Campos Salles, Demetrio Nunes Ribeiro e Quintino Bocayuva. Na condição de integrantes do Governo provisório da República recém proclamada, redigiram e assinaram o Decreto 119-a, que transcrevo:
DECRETO N. 119-A – 7 de Janeiro de 1890
Prohibe a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa, consagra a plena liberdade de cultos, extingue o padroado e estabelece outras providencias.
O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brazil, constituído pelo Exército e Armada, em nome da Nação, decreta.
Art. 1 º É prohibido à autoridade federal, assim como à dos Estados federados, expedir leis, regulamentos, ou actos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a, e crear diferenças entre os habitantes do paiz, ou nos serviços sustentados á custa do orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões philosophicas ou religiosas.
Art. 2 º A todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas nos actos particulares ou públicos, que interessem o exercício deste decreto.
Art. 3 º A Liberdade aqui instituída abrange não só os indivíduos nos actos individuaes, sinão também as igrejas, associações e institutos em que se acharem agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituírem e viverem collectivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina sem intervenção do poder público.
Art. 4 º Fica extincto o padroado com todas as suas instituições recursos e prerogativas.
Art. 5 º A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade jurídica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes à propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o domínio de seus haveres actuaes, bem como dos seus edifícios de culto.
Art. 6 º O Governo Federal continua a prover á côngrua, sustentação dos actuaes serventuários do culto catholico e subvencionará por um anno as cadeiras dos seminários; ficando livre a cada Estado o arbítrio de manter os futuros ministros desse ou de outro culto, sem contravenção do disposto nos artigos antecedentes.
Art. 7 º Revogam-se as disposições em contrario.
Sala das sessões do Governo Provisório, 7 de janeiro de 1890, 2 º da Republica. – Manoel Deodoro da Fonseca – Aristides da Silveira Lobo – Ruy Barbosa. – Benjamin Constant Botelho de Magalhães. – Eduardo Wandenholk. – M. Ferraz de Campos Salles. – Demetrio Nunes Ribeiro. – Q. Bocayuva.
3. O Decreto permaneceu em vigor por mais de cem anos, até que, inadvertidamente (?), o Governo Fernando Collor de Mello o revogou. Collor assinou o decreto DECRETO No 11, DE 18 DE JANEIRO DE 1991, e, em seu Anexo IV, lista de Decretos revogados, consta, na p. 2, o Decreto 119-A. O Decreto de Collor não tem nenhuma relação com o teor do Deceto 119-A de 18890, de modo que, arrisco, tratou-se de um equívoco. É o que penso...
4. Seja como for, o Decreto 119-A, por equívoco ou não, foi revogado em 1991, 101 anos depois de promulgado. Por 11 anos, permaneceu revogado, até que, por meio do DECRETO Nº 4.496, DE 4 DE DEZEMBRO DE 2002. Fernando Henrique Cardozo devolveu-lhe a vigência.
5. O Decreto 4496 de FHC é curioso, porque destina-se exclusivamente a retirar do Anexo IV do Decreto 11 de Collor a refer~encia ao Decreto 119-A do Governo provisório da República. Vejam:
DECRETO Nº 4.496, DE 4 DE DEZEMBRO DE 2002Exclui o Decreto no 119-A, de 7 de janeiro de 1890, do Anexo IV do Decreto no 11, de 18 de janeiro de 1991.O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, alínea "a", da Constituição,DECRETA:Art. 1o O Decreto no 119-A, de 7 de janeiro de 1890, fica excluído do Anexo IV do Decreto no 11, de 18 de janeiro de 1991.Art. 2o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.Brasília, 4 de dezembro de 2002; 181o da Independência e 114o da República.FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
6. Desde, então, as "bases" do Estado laico brasileiro voltaram a vigorar.
7. Questões para reflexão - dos juristas de plantão:
a) sem o Decreto 119-A, a base da condição laica do Estado fica, a despeito das Constituições, suspensa?
b) a laicidade do Estado é uma questão que as Constituições remetem às leis ordinárias, daí a necessidade do Decreto 119-A?
c) por 11 anos, então, entre 1991 e 2002, o Brasil deixou, tecnicamente, de ser um Estado laico?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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