segunda-feira, 17 de junho de 2013

(2013/608) O retorno à vigência do Decreto 119-A de 1890, revogado (inadvertidamente?) por Collor em 1991 e repristinado por Fernando Henrique em 2002 - curiosa saga das bases legislativas da condição laica do Estado brasileiro

1. Da leitura das provas da dissertação de mestrado de Tânia Maria, aluna do Mestrado em Ciências das Religiões da Faculdade Unida de Vitória, vem-me uma interessante informação.

2. Na sessão história de 07 de janeiro de 1890, oito homens homens fixaram as bases da condição laica do Estado brasileiro: Deodoro da Fonseca, Aristides da Silveira Lobo, Ruy Barbosa, Benjamin Constant, Eduardo Wandenholk, Campos Salles, Demetrio Nunes Ribeiro e Quintino Bocayuva. Na condição de integrantes do Governo provisório da República recém proclamada, redigiram e assinaram o Decreto 119-a, que transcrevo:

DECRETO N. 119-A – 7 de Janeiro de 1890 
Prohibe a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa, consagra a plena liberdade de cultos, extingue o padroado e estabelece outras providencias. 
O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brazil, constituído pelo Exército e Armada, em nome da Nação, decreta. 
Art. 1 º É prohibido à autoridade federal, assim como à dos Estados federados, expedir leis, regulamentos, ou actos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a, e crear diferenças entre os habitantes do paiz, ou nos serviços sustentados á custa do orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões philosophicas ou religiosas. 
Art. 2 º A todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas nos actos particulares ou públicos, que interessem o exercício deste decreto. 
Art. 3 º A Liberdade aqui instituída abrange não só os indivíduos nos actos individuaes, sinão também as igrejas, associações e institutos em que se acharem agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituírem e viverem collectivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina sem intervenção do poder público. 
Art. 4 º Fica extincto o padroado com todas as suas instituições recursos e prerogativas. 
Art. 5 º A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade jurídica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes à propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o domínio de seus haveres actuaes, bem como dos seus edifícios de culto. 
Art. 6 º O Governo Federal continua a prover á côngrua, sustentação dos actuaes serventuários do culto catholico e subvencionará por um anno as cadeiras dos seminários; ficando livre a cada Estado o arbítrio de manter os futuros ministros desse ou de outro culto, sem contravenção do disposto nos artigos antecedentes. 
Art. 7 º Revogam-se as disposições em contrario. 
Sala das sessões do Governo Provisório, 7 de janeiro de 1890, 2 º da Republica. – Manoel Deodoro da Fonseca – Aristides da Silveira Lobo – Ruy Barbosa. – Benjamin Constant Botelho de Magalhães. – Eduardo Wandenholk. – M. Ferraz de Campos Salles. – Demetrio Nunes Ribeiro. – Q. Bocayuva.

3. O Decreto permaneceu em vigor por mais de cem anos, até que, inadvertidamente (?), o Governo Fernando  Collor de Mello o revogou. Collor assinou o decreto DECRETO No 11, DE 18 DE JANEIRO DE 1991, e, em seu Anexo IV, lista de Decretos revogados, consta, na p. 2, o Decreto 119-A. O Decreto de Collor não tem nenhuma relação com o teor do Deceto 119-A de 18890, de modo que, arrisco, tratou-se de um equívoco. É o que penso...

4. Seja como for, o Decreto 119-A, por equívoco ou não, foi revogado em 1991, 101 anos depois de promulgado. Por 11 anos, permaneceu revogado, até que, por meio do DECRETO Nº 4.496, DE 4 DE DEZEMBRO DE 2002. Fernando Henrique Cardozo devolveu-lhe a vigência.

5. O Decreto 4496 de FHC é curioso, porque destina-se exclusivamente a retirar do Anexo IV do Decreto 11 de Collor a refer~encia ao Decreto 119-A do Governo provisório da República. Vejam:

DECRETO Nº 4.496, DE 4 DE DEZEMBRO DE 2002
Exclui o Decreto no 119-A, de 7 de janeiro de 1890, do Anexo IV do Decreto no 11, de 18 de janeiro de 1991.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, alínea "a", da Constituição,
DECRETA:
Art. 1o O Decreto no 119-A, de 7 de janeiro de 1890, fica excluído do Anexo IV do Decreto no 11, de 18 de janeiro de 1991.
Art. 2o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 4 de dezembro de 2002; 181o da Independência e 114o da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

6. Desde, então, as "bases" do Estado laico brasileiro voltaram a vigorar.

7. Questões para reflexão - dos juristas de plantão:

a) sem o Decreto 119-A, a base da condição laica do Estado fica, a despeito das Constituições, suspensa?
b) a laicidade do Estado é uma questão que as Constituições remetem às leis ordinárias, daí a necessidade do Decreto 119-A?
c) por 11 anos, então, entre 1991 e 2002, o Brasil deixou, tecnicamente, de ser um Estado laico?




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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