1. É o preço de você ter formação exegética alemã, histórico-crítica, "da gabinete" e, ao mesmo tempo, ser latino-americano e viver em meio a um povo vítima, primeiro, da Conquista cristã, depois, da colonização e, agora, do neo-liberalismo: tudo sempre vindo dos mesmos lugares!
2. Qual preço? Bem, de um lado, você sabe o que significa querer entender historicamente um texto - o trabalho de Lourenço Vala, por exemplo, ou a decifração das línguas egípcias e cuneiformes. Aí, trata-se de pesquisa, de ciência.
3. De outro lado, trata-se de reunir material programático para a "revolução" - em sentido amplo, que seja. Apropriar-se da tradição pia para, por meio dela, promover topos libertadores, motivos revolucionários, discursos de libertação. Nesse caso, não importa o que os textos tenham dito no passado, importa o que faremos eles dizerem agora...
4. Alguém, por favor, me desminta, se, até aqui, disse algo improcedente.
5. Se não, vamos ao que tenho a considerar.
6. Por que tenho que fazer textos que nunca disseram o que estou dizendo que eles dizem dizer isso que quero que eles digam? É a mim mesmo que estou "convencendo"? Ou, antes, é ao povo que não tem a noção que eu tenho, que recebe essa interpretação de missão e, com base nela, entrega-se à palavra de ordem?
7. Onde eu quero chegar com essa questão? Saber, honestamente, se é ético.
8. Os esclarecidos justificam a operação por meio da retórica de negar ao trabalho acadêmico e científico ou validade ou resultados válidos. É a estratégia que Croatto usou em 1984, quando produziu seu Hermenêutica Bíblia, que outra coisa não era que não o suporte ideológico hermenêutico para a operação "missão". Quando na década seguinte, Croatto dedicou-se às pesquisas em Fenomenologia da Religião, aí voltou a fazer exegese - contrariamente ao que dissera em 1984...
9. Os "esclarecidos", porque precisam justificar sua ação política, esforçam-se por dizer que a produção programática de sentido é a única coisa que existe... E isso a despeito da formação exegética que têm, dos livros de História que leem e dos manuais de arqueologia que consultam para contar ao povo a opressão dos poderosos! Mas como podem, se não se pode ler o passado? Inventam o passado de opressão, então, para justificar uma ação de missão também hermeneuticamente inventada? No mínimo, contraditório...
10. O problema, todavia, é o povo simples. Ele acredita, mesmo, que os textos dizem o que lhes dizem os operadores da missão. Mas isso até que eles mesmos, como diz Saviani, entendam o processo em que estão metidos e dominem, eles mesmos, as técnicas que controlam suas interpretações dos textos. Nesse dia, têm a opção de escolher - antes, não.
11. Não quero aqui dizer que os motivos políticos da missão são os mesmos motivos políticos do Norte - que, não tenho dúvidas, tem drenado toda a riqueza dos povos latino-americanos desde há quinhentos anos, com a ajuda sempre faceira e serelepe das elites locais.
12. Mas quero perguntar se, no campo ético, estamos diante de uma pedagogia diferente da que os evangélicos dos Estados Unidos usavam com os escravos, por exemplo...
13. Até que ponto a libertação pode ser alcançada com mecanismos pedagógicos reprodutores de ideologia?
14. O simples fato de meus propósitos serem "bons" faz dos meus métodos métodos necessariamente bons, não importa a condição ética deles?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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