sábado, 2 de março de 2013

(2013/185) Da máquina que se alimenta de ignorância

1. Eu não acho que a a religião seja, necessariamente, adepta da ignorância. Que ela tenha nascido muito antes da ciência e tenha canalizado as formas de lidar com o real apenas empresta  a ela as modalidades daquela aproximação - mito, senso comum, obscurantismo, ignorância.

2. Também não acho que o Cristianismo seja necessariamente uma máquina que se nutre da ignorância - ora, a ciência moderna saiu de dentro da cristandade!

3. Mas afirmo que o Cristianismo histórico é uma máquina que sobrevive da ignorância: quanto mais ignorante o sujeito, mais cristão, quanto mais ignorante um país, mais cristão, quanto mais ignorância, mais cristianismo...

4. Falo de ignorância em sentido geral, com todas as suas variantes: desconhecimento, sonegação, mentira, escamoteamento...

5. Mas é ainda mais grave: não é que o conhecimento necessariamente cure a patologia - há pessoas que estudam, mas a mente está tão atrofiada, tão presa aos estereótipos e às racionalizações dogmáticas, que a saída que encontra é pôr o conhecimento a serviço da retórica apologética barata ou compartimentar as zonas do cérebro.

6. É uma pena. Mas eu entendo: o cristianismo, na forma como se apresenta, baseado, ainda, em mitologias tão velhas e ultrapassadas, não sobrevive à lufada de ar da ciência - salvo se admitir que é apenas uma modalidade de conforto e esperança, mas, jamais, uma estrada de conhecimento.

7. Quando se diz conhecimento e força os cristãos a repetir seus dogmas sem pé nem cabeça, produz uma esquizofrenia incontornável, cujos resultado é ou a loucura, ou a hipocrisia, ou o fundamentalismo ou a apostasia.

8. Sem falar que o profissional do cristianismo agrava a situação, sendo um divulgador remunerado de ignorância - lutar contra isso seria dar um tiro no pé. Há saída?

8. Alguém precisa dar um basta nisso.

9. Mas, talvez, seja uma questão pessoal - cada um por si.




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

4 comentários:

Leonardo_llb disse...

Infelizmente muitos cientistas, estudiosos ou "esclarecidos" olham para a religião, com ênfase maior ao cristianismo, como algo que seja fruto de ignorância, burrice, atraso, arcaico. No entanto, concordo com você Osvaldo na questão de que Cristianismo não significa ignorância. Por que seria ignorância? Porque usa a fé? Porque acredita em um Ser que nunca se viu? É um ato de fé defender com todos os instrumentos científicos que Deus não existe. É fé ler um livro de um autor famoso e usar as idéias dele. É fé beber leite de caixa (quem garante que não tem veneno nesse leite?). Então o que é fé? O que é irracionalidade?

Concordo com a questão de que muitos se aproveitam do cristianismo para crescer e se fazer em cima de pessoas. Mas isso ocorre por, em certos casos, preguiça, pois Paulo alerta Timóteo para que este não deixe de cuidar da doutrina, o incentiva a ler e ensinar, 1 Timóteo 4: 13 a 16.

Também acho de seria necessário pensar na definição de ignorância. O que é ignorância? Hitler teve acesso a estudos e livros e resultou em um terror. Minha vó nunca teve estudo, no entanto quando meu vô ficou doente ela cuidou dele até ele morrer. O "Estudo" não torna ninguem melhor ou pior; não define caráter; não faz com que alguem seja mais inteligente ou capaz de raciocinar que outra pessoa. Os índio, na época que os portugueses chegaram ao que hoje chamamos de Brasil, já sabiam que o Sal em excesso faz mal a saúde, coisa que os europeus não conheciam, algo que só com uma sofisticação da medicina o homem "esclarecido" (o cientista) veio a ter conhecimento. Essa ciência e forma de estudo com raízes gregas não permite ao homem ser mais nem conhecer mais do que ninguem. É apenas mais uma forma de enxergar algo.

Por que que as histórias da bíblia são mitologias velhas e ultrapassadas? Por que essa "mitologia", na sua escrita, parece ser inferior à ciência? Por que o conhecimento bíblico não pode ser algo que fornece meios para se compreender a "realidade" da mesma forma que um estudo cientifico pautado em métodos permite? O cristianismo pregado hoje tem muitos problemas, mas isso não desmerece o valor que a bíblia tem.

O que vejo é que há diferentes formas de conseguir ter "acesso" ao que acontece ao nosso redor. Não considero a bíblia, consequentemente o cristianismo, como algo inferior a ciência. Muitos cientistas famosos que usam a "ciência" produzem um trabalho hipócrita. Usam um discurso positivista e o vendem como sendo a mais fina invenção da "gloriosa" e "perfeita" ciência. A ciência não está apresentando, hoje, uma verdade absoluta, mas apenas uma visão passível de ser contestada.

Amo a ciência, amo Deus. A bíblia é sincera e não é hipócrita. Hipócrita são as pessoas que a usam de modos errados. Não concordo que as "mitologias" da bíblia são inferiores a um estudo científico. A ciência não tem a mínima preocupação em estudar Deus. O máximo que ela pode fazer é estudar a IDEIA que as pessoas tem de Deus.

Peroratio disse...

Os exemplos que você dá de fé não são adequados, mas não vou discutir isso. Ratifico o que eu disse: tem tese, o cristianismo não precisava nutrir-se da ignorância, mas, na prática história, nutre-se.

E por quê? Porque não admite que, depois do surgimento d ciência moderna, ele não tem mais a palavra sobre o real - resta-lhe o mito, a esperança e o conforto e mais nada.

Nem no campo das Escrituras, o cristianismo enquanto religião tem o que dizer: ele não sabe ler suas Escrituras, salvo em chave dogmático-alegórica.

A exegese separou-se da fé há 250 anos, mais ou menos, e, por isso, avançamos na compreensão delas. No âmbito cristão, religioso, propriamente, ainda se repetem as coisas como há 1000 anos.

Lamento. Pode-se idealizar um cristianismo que na prática não existe - o cristianismo da prática é obscurantista e nutre-se da ignorância.

Pode-se até relutar em admitir - mas não se poderá demonstrar o contrário, salvo na tentativa de igualar fé e ciência, ou seja, de, ao mesmo tempo, fazer da ciência o que ela não é e do cristianismo o que ele não é.

Não precisava ser assim - mas é. E não é culpa minha.

Leonardo_llb disse...

Concordo que o cristianismo praticado hoje se alimenta da falta de conhecimento e da bondade das pessoas.

O homem da antiguidade não via nenhum problema em usar a ciência e a religião juntas. Tucídides e Heródoto foram historiadores que "fundaram" a história ciêntífica, no entanto, nos escritos deles veremos que "mito religioso" e "ciência" se misturam. Há relatos dos fatos, a crítica a eles com método e a narração de formiga gigante e outras coisas fantásticas.

É datado o momento em que a ciência começa a se separar da religião. Se hoje a ciência, igual ao que Richard Dawkins diz fazer, diz que seu trabalho tem mais valor do que a pregação de um pastor ou um texto a bíblia não é por acaso. No iluminismo nós vemos essa tentativa de separar o que é de Deus e o que é do homem. O homem decide que é ele próprio a base de medida das coisas. Não é estranho?

É no mínimo estranho ver que na Antiguidade, na Idade Média o homem usando Deus ou os deuses como uma forma de conhecimento do mundo conseguiram fazer tantas coisas: Curar doenças, Levantar construções (pirâmides, Coliseu, etc.) e hoje para o discurso de um cientista ter valor é necessário que ele deixe claro que o que ele diz não tem ligação com as páginas de um bíblia, mas sim de um estudo baseado em métodos.

O que quero dizer é que a ciência é muito vulnerável, ela nunca foi definida, sempre muda com o tempo. A bíblia não é inferior a ela. Não concordo que o "mito" bíblico possui uma versão inferior ao real quando relacionado com a ciência. O mito, por mais fantasioso que seja, se torna real a partir que começa a influenciar a vida de alguem, a partir do momento em que da base para alguem viver, andar e perceber o meio em que ela está. A ciência também serve para isso. Há alguma melhor ou pior? Prefiro fazer igual Heródoto, usar a ciência e a religião, equilibrá-las e ser sincero.

Nem sempre a ciência foi "brigada" ou distante da religião. Se os romanos conseguiram construir um sistema complexo de abastecimento de água, levantaram construções fantásticas (sem computador), conseguiram uma arte de guerrear e dominar muito fantástico, tudo isso crendo e usando a religião deles para entender o meio, por que devo acreditar que hoje isso não é possível? Moro na capital de Rondônia. A cidade não tem esgoto para todo mundo, há poluição, criminalidade, pessoas morrem jogadas nos hospitais, muitas não possuem um atendimento médico adequado a um "cidadão". Lembrando que as estruturas que permitem que essa cidade exista e continue de pé são determinadas pela ciência, como: medicina, matemática, engenharia, quimica, história, filosofia etc.

Com base em que nós podemos dizer que a ciência moderna é melhor do que a religião? Como dizer que ela nos fornece uma percepção da realidade mais "real" do que um "mito" bíblico ou um mito de outra religião?

Não vejo o conhecimento bíblico como inferior a nada, o vejo como contendo muita lucidez sobre a realidade. Da mesma forma que a ciência pode ser uma arma forte para poder "captar" esse real. Agora dizer que o mito é algo inferior a ciência não vejo coerência. Heródoto e Tucídides praticaram uma ciência misturada com os mitos da religião deles.

Peroratio disse...

Leonardo, a ciência saiu de dentro da mitologia e da religião cristãs - mas tornou-se, de fato, ciência, quando se emancipou. Não nasceu do zero, nasceu num longo parto - e somente se emancipou de forma um tanto quanto violenta do Cristianismo pela radical incapacidade deste de admitir que a ciência podia revelar que a quase totalidade das crenças cristãs, quando relacionadas ao mundo físico, estavam erradas e eram fruto de visões pré-científicas.

O poder do clero impediu que admitissem. Depois de 300 anos de conflito, a ciência rompeu definitivamente com o cristianismo.

O fato de os "cientistas" antigos terem sido religiosos não significa nada. Os filósofos eram teólogos, então. Platão é teólogo. Filosofia e ciência enquanto epistemologias não-religiosas é algo muito recente, moderno.

No campo científico, o caso típico da Bíblia é 2 Pd 3,5, em que se chama de ignorante quem não acredita que os céus e a terra subsistem no meio das águas...

Termino insistindo: não precisava ser assim - mas é.

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