segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

(2013/104) De poucos e de muitos - arte, política e pesquisa como trabalho humano para o bem da espécie

1. No fundo, não são todos.

2. Seja na política, seja na estética, seja na heurística, não são todos...

3. Se olharmos para a história e para o mundo, veremos que sempre terá sido um pequeno grupo de homens e, eventualmente, mulheres, a dar o rumo ao mundo. Às vezes, a despeito das massas. Às vezes, com a manipulação delas. Às vezes, com seu apoio. Mas terá sido - sempre - o movimento de uns poucos. Revolucionários, reacionários, não importa: eram poucos, eram um punhado - mas obtiveram sucesso em face das massas, seja pelo medo, pela pela ilusão, seja pela identificação política.

4. Eram, não neguemos, homens de talento, talento político - o que falta à esmagadora maioria de nós - ao menos para esses grandes voos, o suprassumo da inteligência política. Alguns de nós são bons na política pequena, mas necessária e difícil, da administração da relação conjugal. Mas não sejamos tolos: não comparemos a inteligência política da administração de um binômio com a inteligência política da administração de uma nação inteira...

5. Na estética, dá-se o mesmo. Há quem, rabisque telas, folhas de papel, espaços virtuais - a movimentação mecânica das mãos é patrimônio de quase todos - mas o talento, não, é para alguns. No meio de mil, há um talento, e no meio de um milhão, um van Gogh. Qualquer um pode comprar tintas, caneta, papel, barro, e fazer sua "arte". Pai e mãe vão achar lindo. Você mesmo achará soberbo. Mas, cá entre nós, ao lado de Ticiano, convenhamos...

6. Pode-se aprender a técnica, as regras de cores, de traçados. Mas, aí, vem um verdadeiro talento e subverte tudo, e descobrimos que aquelas regras estavam fixas num modelo que, implodido, levou-as consigo. Dali...

7. Não, a arte não é democrática. É condescendente: deixa que todos afaguem sua crina - mas montá-la...

8. E chego onde queria: a heurística. Pense-se o mundo em que vivemos. É fruto de poucos. Homens e mulheres que se embrenharam nos intestinos da matéria, à volta dos quais farfalhavam asas e azáfamas, mas eles lá, neuróticos em sua crença e... violà, eis o motor a explosão, o eletroencefalograma, o colisor de hádrons, enquanto nós fazemos de conta que estamos aí...

9. Se há um Garotinho em mil e há um Lula em dez duzentos milhões, há um Boltzmann em cinco bilhões. Não me espanta que a Igreja Positivista tenha tratado homens assim como "deuses" - naturalmente que um exagero e uma ironia, mas revela bem o lugar que cabe a nós e o lugar que cabe a eles...

10. Na nossa sociedade, se pusermos o nome dos 10 ou 100 maiores cientistas dos séculos XIX e XX, talvez só sejam reconhecidos aqueles que, de vez em quando, aparecem na mídia - às vezes, em quadros de humor, como Einstein a dar língua. Cantores estadunidenses - todos seriam reconhecidos...

11. Não é apenas que são poucos os homens e as mulheres que se fato carregam a ciência nas costas, que fazem  o trabalho duro e creem na pesquisa, é também que não recebem de nós o reconhecimento que mereciam, nós, que vivemos hoje à custa do trabalho deles - eletricidade, TV, geladeira, fogão, computadores, ventiladores de teto e ares condicionados, rádios e aparelhos de som, home theatres, relógios, automóveis, trens, metropolitanos e ônibus, aviões e navios, telefones, panela de pressão, esferográficas, teflon, caixas de som e amplificadores, aparelhos de barbear, hard disks, pen drives, celulares, smartphones, as famílias i, a lista é interminável...

12. Senhores, se não cressem, se não trabalhassem duro, se não tivessem a sua dose de neurore, se esses poucos visionários fossem como a mediocridade da maioria de nós, estaríamos a andar descalços dentro de cavernas...

13. Acredito na pesquisa. Meu único medo é não ser um dos "escolhidos", passar a vida dando cabeçadas e nunca descobrir algo de relevante, nunca dizer algo importante, passar em branco. Um pesquisador que não espera isso de seu trabalho é o quê? Pois eu espero - lamentavelmente, caí num campo da periferia do sistema, uma campo que, com razão, merece todas as suspeitas, porque se confunde programaticamente com mitologia, crença, dogma, religião e fé. Há, todavia, espaços nessa periferia que se prestam à pesquisa - exegese, história do pensamento e do dogma, arqueologia de modo geral e a aplicação das ciências humanas ao fenômeno religioso: estamos a caminho, com retrocessos e avanços concomitantes...

14. Mas sei que não será a massa a fazer. Será, como sempre foi, um aqui, outro ali, na solidão da pesquisa, depois, articulados em comunidades de pesquisa, depois, articulados em laboratórios - mas, seja como for, poucos.

15. O que é nobre nessa condição é que, ao fim e ao cabo, é a massa que se beneficia com o resultado - seja com a ação política progressista de um governante humano, seja a obra-prima de um gênio das artes, seja a descoberta de um excêntrico pesquisador de lagartas...

16. Nisso - e só nisso - há algo de espiritual na condição deles - ao contrário do que Nietzsche dizia, não é a massa humana que se deve converter em estrada sobre a qual as rodas do gênio passe (era um canalha político!). Ao contrário, é o "gênio" - político, estético e heurístico - uma oferta humana em benefício da espécie.





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio