sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

(2013/086) De Adão e Eva, a queda e releituras filosóficas do mito


1. Desde Agostinho, pelo menos, assumi-se uma colagem entre a Queda, em Platão, e a Queda, em Gênesis 3: a expulsão de Adão e Eva do Jardim é lida como a encenação do conceito de Queda em Platão, de modo que a Queda, na condição de pecado original da humanidade, passa a ser a pedra angular da fé, a doutrina que não pode ser suprimida, ou não se sabe o que se faz com Jesus. A função de Jesus é a superação da Queda...

2. Desde o século XIX, uma indisposição de caráter filosófico opera nas mentes teológicas menos fundamentalistas, mas, no fundo, ainda vinculadas existencialmente ao mito...

3. Tudo bem, raciocinam, é mito, mas, sob o mito, eis como argumentam, está uma "verdade": o homem é um ser caído, perdido, e precisa salvar-se...

4. Ouvir teólogos barthianos falando da Queda e do pecado original já me causa indisposição física. Ouvir teólogos progressistas fazerem o mesmo, mas como se falassem de algo mais profundo e não mitológico, dá-me é vontade de sair correndo...

5. Não é preciso ir a Gênesis 3 para compreender a espécie. Mas, se é para ir lá, então convém tentar compreender é o próprio texto, e não a espécie, que o texto nada tem a ver com ela...

6. Gênesis 3 não fala da humanidade: fala de judeus camponeses. Trata-se, a meu ver, de uma narrativa sacerdotal, cuja função é dar a base teológica para a implantação do sacrifício de animais no templo.

7. Adão e Eva representam os camponeses judeus, e por isso, o castigo é o trabalho no campo, coisa que reis não fazem, muito menos sacerdotes. Malditos são os camponeses e suas mulheres...

8. Seu crime? Querer decidir por conta própria: saber o que é bom e o que é mau, decidir por si mesmo o que é bom e o que é mau. Ser como os deuses, donos de si mesmos...

9. Deus, controlado pelos sacerdotes, porque Deus é sempre controlado por alguém, os condena e castiga, e a indicação de que a saída, agora, é matar animais para aplacar a ira de Deus está no fato de que Deus rejeita suas roupas de folhas, como rejeitará a oferta agrária de Abel, e matando um animal, faz-lhes roupas de pele...

10. Trata-se de um texto mau, político e etiológico.

11. Político, porque põe os sacerdotes sobre o controle de Deus e, por meio dele, dos camponeses.

12. Mau, porque trata os camponeses como malditos de Deus.

13. Etiológico, porque explica que o camponês deve fazer sacrifícios no templo porque é maldito de Deus.

14. Não se salva nada aí, exceto a serpente: que indica que houve quem lutasse contra essa teologia sacerdotal e postulasse aos camponeses que fossem eles mesmos donos de suas vidas...

15. Quando se assume esse texto como mito, mas se tenta salvá-lo, vendo aí alguma verdade profunda da humanidade, apenas se disfarça a maldade fundamental que o plasmou, e, a despeito de toda boa vontade, põe-se ao lado do sacerdote mau e faz de todos nós irmãos de maldição...

16. A única coisa a fazer diante desse texto é desmontá-lo e denudá-lo - fazer-se serpente.

17. Caso contrário, das duas, uma: ou você é Adão ou Eva, ou você é o sacerdote.

18. É como leio.





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

3 comentários:

Al disse...

Li um livrinho,Projetos de Esperança de Milton Schwantes,que fala coisas semelhantes, mas a interpretação que dá, como ele lê, difere.Na leitura o texto é tem o sentido de resistência dos camponeses contra o projeto de Estatal. A serpente seria signo do Império.É uma leitura digamos - válida?

Peroratio disse...

É livro de missão dele. Não é de exegese. Veja como ele foi criativo. Ele diz que Gn 1 é sacerdotal (não é, não, a meu ver), e o sacerdote é contra o povo, mas, já que Gn 1 é defesa de camponês - tudo para ele, em missão, é, o sacerdote se converteu ao povo...

Missão...

Al disse...

É, pelo que entendi...o Exílio envileceu a casta sacerdotal,ilustrada,os fez se converterem, e resistirem ao "projeto de império" em defesa do camponês. Ficou como escrito de resistência. Sim, notadamente é um livro de "missão", para leigos, pastoral... Segundo ele o Exílio exerceu o efeito de conversão dos sacerdotes, administradores da Escritura.

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