sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

(2012/849) Pr 11,30 - cuidado: uma casca de banana!


1. A Almeida, revista e corrigida, traduz assim: "O fruto do justo é árvore de vida, e o que ganha almas sábio é". Poderíamos citar uma enormidade de versões que seguem esse padrão. A NVI, por sua vez, traduz: "o fruto da retidão é árvore de vida e aquele que conquista almas é sábio". Duas questões:

a) será que é isso mesmo?

b) o que isso quer dizer?

2. Bem, vejamos o que diz o texto hebraico:


3. Não é um texto fácil de traduzir. "O fruto do justo é árvore de vida, e o que colhe vida é sábio". Não, não é fácil nem traduzir nem interpretar...

4. Tem-se optado por "ganhar". Aposto minhas fichas que esse sentido está atrelado à tradução de nefesh como "alma" (= pessoa). Por meio de uma ideologia (oculta?) teológica, interpreta-se o texto como "ganhar alma" - logo, "evangelizar. Os progressistas trocarão "evangelizar" por "tornar-se amigo"...

5. Acho que não está nada bom isso.

6. Pensemos no campo semântico: "fruto" e "árvore de vida", de um lado; do outro, esse verbo lqh, que se traduz "ganhar". Se o campo semântico é da conta de fruto e árvore, penso que "colher" - colher o fruto da árvore - seja melhor. Não se está "ganhando" nada, está-se colhendo...

7. Mas o quê?

8. Bem, aqui as coisas tornam-se difíceis. Quem é esse justo? O fruto dele é árvore de vida. Isso, de um lado. Do outro, quem colhe vida, é sábio. Não acho que nefesh aí deva ser traduzido como "alma" (aliás, péssima tradução, (quase?) sempre). Penso em "vida", fazendo par com "árvore de vida" (os dois termos, inclusive, no plural, em hebraico). Quem colhe vida é sábio.

9. Bem, o fruto do justo é árvore de vida, e quem colhe vida é sábio. Das duas uma: ou se está dizendo que se deve ser justo, de tal sorte que os frutos que se produzam sejam árvore de vida, de tal sorte que esse que produz os frutos de vida e os colhe é sábio, ou se está dizendo que quem colhe a vida dos frutos do justo é sábio.

10. Num caso, o justo é o próprio sábio, porque ele produz e colhe a vida. No outro caso, o sábio colhe a vida que o justo produz.

11. Por se tratar de uma máxima judaica, própria da tradição de "sabedoria" (ainda que, apostaria nesse caso, relacionada, aqui, à sinagoga, pelo menos, ou à corte religiosa), eu apostaria as minhas fichas na primeira hipótese - sábio é quem, sendo justo, produz vida, e, assim, pode colher a vida que produz...

12. De sorte que eu acho que empregar esse verso para "ganhar" pessoas constitui dois equívocos: de interpretação e de presunção...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Jones F. Mendonça disse...

Em Gn 3,6 a mulher "toma" (ou colhe) do fruto da árvore e o come. O verbo é o mesmo de Pv 11,30. haiym e nefashot seriam sinônimos, recurso típico no paralelismo judaico. Concordo que "ganhar almas" é forçoso demais. Também concordo com o "colher" ao invés de "ganhar". Só discordo do final. Fico com a segunda hipótese: o sábio colhe a vida que o justo produz.

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