1. Para mim, sexo e espiritualidade ("oração") são coisas muito íntimas. Sexo, aprendi desde pequeno, faz-se em segredo, ao privado dos olhos dos outros, no relicário do lar, para os de lar, meu caso.
2. Oração, quando aprendi, era algo bastante "impudico". Faz-se desavergonhadamente em público, em qualquer lugar. Lembro-me uma vez, numa praça, onde evangelizávamos, e, todos jovens, fechamos, todos, os olhos, e alguém orou aquela oração de dias e noites, o equipamento todo por ali, espalhado. Quando abrimos os olhos, um senhor esperava e nos alertou a não fazermos assim, que alguém ficasse a tomar conta do equipamento, porque já tinha havido casos de furto durante a oração...
3. Mas não é essa a questão. Oração virou liturgia, testemunho, "jogo de cena". Para mim, todavia, esses ritos perderam o sentido, essa magia esvaziou-se inexoravelmente para mim, de modo que só me resta a possibilidade de, sozinho, absolutamente só, minha dor e eu, fechar os olhos e sondar o Mistério, eventualmente, com palavras, mas, a maioria das vezes, sem...
4. Confesso que há uma batalha entre minha razão e meu coração.
5. Minha razão sabe do que se trata. Sabe de onde vem a doutrina. De onde vem a crença na doutrina. De onde vem a seleção nas doutrinas. De onde vem a ideia dos deuses, de Deus. De onde vem a ideia de que eles agem e interagem... Sabe isso tudo. A isso me refiro como conhecimento.
6. No fundo, sei o que é a religião, e sou capaz de tratá-la de modo rigoroso nos termos das Ciências Humanas - a dos outros e a minha. A minha então, espremo-a até que fique na mão um bagaço e uma esperança...
7. Todavia...
8. Lá no fundo do coração, bem lá no fundo, há, ainda, um anseio, um desejo, uma nostalgia, um medo da vida, um pedido de socorro... Meu coração encara minha mente, olho no olho, e desacata-a: entendo, Senhora Razão, o que me dizes, e, acredito nisso, concordo com isso, mas preciso desse soluço, aqui e agora, diz meu coração à minha mente - que ele, coração, trata, indevidamente, de razão...
9. Minha mente, compreensiva como é, compreende. E, desde que no recato da solidão, sem espetáculos de qualquer natureza, sem transformar a insuficiência em regra, em lei, em norma, em verdade, mas tomando-a como um resquício da alma chorosa ou alegre, silencia...
10. Nos espaços institucionais em que gravito - a Escola de Teologia, basicamente -, crítica radical do significado da religião, da fé, da teologia, sem descanso e sem negociações. Por quê?
11. Porque é necessário que, conquanto com o coração ainda nos sintamos envolvidos como a mística e o mito da fé, com a razão é necessário controlá-la, torná-la privada, pessoal, íntima, pô-la no relicário das coisas do lar e da alma... A fé foi feita para o homem, não o homem para a fé!
12. Ligue a TV. Veja os tele-evangelistas e a pornografia da fé. É vergonhoso. É criminoso. É aviltante.
13. Se todo religioso fizer a mesma cisa que os tele-evangelistas fazem e, de resto, o que fazemos em nossos cultos, pregar o desamor e a invalidade da fé não-cristã, estamos quebrando a principal regra do Novo Testamento - fazer ao outro o que gostaríamos que fizessem conosco...
14. Não quero ver meus valores religiosos, minhas representações religiosas, tomadas como diabólicas em rede nacional - mas é o que fazemos. Não quero que os outros religiosos preguem a intolerância contra a minha fé, a necessidade de conversão da minha fé à deles - mas é isso que nossas igrejas fazem, todos os dias... Isso não é ético. Isso é intrinsecamente mau.
15. Terminantemente, é preciso que a razão pegue o touro da fé pelo chifre e lhe dê bons modos. O coração não pode, absolutamente, controlar o processo - é a razão que deve calar o arroubo, a loucura, o crime do coração...
16. Mas essa mesma razão há de compreender-me, quando, escondido em meu lar, calado e entregue às minhas dores e alegrias, ousar abrir a mais ou fechar a menos um olho, e cuidar ver o Mistério...
17. A razão é a sanidade para a fé...
18. Tirem a razão, e bem-vindo ao mundo gospel brasileiro...
19. Não vai terminar bem isso.
20. Que pena.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Um comentário:
Na antiguidade, Deus era o sentido e resposta para todas as coisas. A Modernidade encolheu bem esse espaço divino desmistificando inúmeros eventos da história. O que era Deus fazendo, (o mago também fazia, ora) hoje a ciência responde com muita eficiência.
Todavia, há um "empurra-empurra" de espaços. A igreja evangélica deseja porque deseja encurtar o espaço da ciência. Quer retomar as rédeas. (impossível para quem toma Doril) Deus e o sagrado precisam continuar sendo uma espécie de atividade cotidiana, "tomar água", "comer uma banana". (Mas isso, quando lhes convém)
Acho mesmo que a ciência ajuda - e muito - num tipo de devoção em que o homem da razão não consegue calcular, pois sai de si, do papel, das escalas. Ele precisa silenciar-se. Diante daquilo que a ciência não mostrou, cabe aí um tipo de busca-entrega-silenciosa.
Mas, de fato, a igreja está na contra-mão de Deus.
Beijo grande, amigo.
Postar um comentário