domingo, 1 de abril de 2012

(2012/345) Exagero meu? Sobre uma teocracia evangélica brasileira


1. Talvez alguém considere que seja exagero meu: como assim, os evangélicos tomarem o poder?

2. Deixem-me explicar. Não serão os evangélicos a tomarem o poder. Nenhum pregador de massa dirá isso, usará essa retórica.

3. Quem tomará o poder é Deus.

4. Tomará, não. O Poder já é dele. Ele só o retomará para si, porque homens ímpios o usurparam - racionalistas, ateus, idólatras e seguidores do diabo, ele dirá, o grande pregador de massas, gente homossexual, abominação, abortadores, ele insistirá, comunistas desgraçados, não deixará de lembrar.

5. Enlouquecida e aos brados de aleluia, Senhor!, e glória, Jesus!, a massa fará o que tem de fazer, o que Deus quer que ela faça.

6. Estamos nos 25% da população. Não saberia dizer como anda a massa católica. Oxalá se acirre a distância e a massa católica acabe tornando-se, naquele dia, uma massa anti-evangélica, também por medo de que se impeçam seus cultos e se quebrem suas santas. Mas sempre há os acordos, o Brasil é grande, há o Norte, há o Sul...

7. Talvez, queira Deus, tenhamos atingido o teto do crescimento evangélico. A gula demasiada dos pastores de massa talvez construa o teto momentâneo no limite de concorrência entre as grandes siglas megalodivinas.

8. Todavia, se crescermos mais, se a massa evangélica fermentar - basta que uma articulação de interesses evangélicos e corporativos inicie um movimento e pronto. A República cai. Ergue-se a Teocracia Evangélica Brasileira.

9. Os ingredientes são sabidos.

10. Bíblia lida de modo fundamentalista. É a regra em quase todas as igrejas. Mesmo naquelas igrejas que, naquele dia, horrorizadas, tentarão ficar de fora - mas ficarão? Ficaram, no Nazismo? -, a leitura que fazem é fundamentalista. Não admitem nem admitirão, mas são elas as fornecedoras da base hermenêutica, e são eles, seus pastores horrorizados, os cúmplices "inocentes" da catástrofe que se avizinha (talvez sim, talvez não, não a culpa, que é fato, mas a tragédia potencial).

11. Depois, um subjetivismo de sentir a vontade de Deus de modo acrítico. O pastor fala. O Espírito atesta. E lá vai a ovelha.

12. Depois, um moralismo hipócrita, de estilo estadunidense.

13. Depois, um engajamento contra os diabos da vez: homossexuais, feministas pró-aborto, pensadores críticos, não-cristãos, os comunistas da hora, hereges, idólatras, essas coisas.

14. E, finalmente, declarar o nome de Jesus em Brasília e instalar aqueles megaletreiros mágico-políticos: ESTA CAPITAL E ESTE PAÍS PERTENCEM A JESUS.

15. O quadro é inimaginável?

16. Tem certeza?

17. Nunca leu a história da Revolução Islâmica de 1979, leu? Foucault a louvou nos jornais. Como haverá quem louve a tomada evangélica do poder - se ela ocorrer. Eu não duvido. Qualquer coisa é melhor do que o PT lá, ouço já alguns, justificando-se...

18. Não faço profecia aqui. Não rogo praga. Nem afirmo que ocorrerá. Afirmo, sim, que pode ocorrer. E os elementos para que isso ocorra estão todos aí, desenhando-se.

19 Eu tenho é medo.

20. E meu desejo é que venha mais um megapastor e aumente a briga entre os megapastores, que faça a briga tornar-se tão feia que um coma o outro, e a onda de massificação amaine até os níveis de manutenção do despojo.

21. A tragédia será se um deles tornar-se único ou se eles se aliarem.

22. Assim, se Deus não ajudar, pediria ao diabo que continue a falar pela boca de um e de outro, como eles mesmos dizem, e a dividi-los. Enquanto estiverem divididos, estamos relativamente seguros - conquanto irremediavelmente envergonhados.

23. Mas é melhor a vergonha do que a tragédia.

24. E, de qualquer forma, a tragédia pode não vir mas acho que a vergonha não vai mais embora.




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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