1. Pra refletir. Foi quando leu, e porque leu, que Menocchio descobriu que um era o discurso dos padres e outro, o da vida. Mas, alto lá, senhores, cuidado e não vos apresseis, sem que se saiba que Menocchio vai, também por isso, morrer...
A Gente Não Lê
Aí senhor das furnas
Que escuro vai dentro de nós
Rezar o terço ao fim da tarde
Só para espantar a solidão
E rogar a deus que nos guarde
Confiar-lhe o destino na mão
Que adianta saber as marés
Os frutos e as sementeiras
Tratar por tu os ofícios
Entender o suão e os animais
Falar o dialecto da terra
Conhecer-lhe o corpo pelos sinais
E do resto entender mal
Soletrar assinar em cruz
Não ver os vultos furtivos
Que nos tramam por trás da luz
Aí senhor das furnas
Que escuro vai dentro de nós
A gente morre logo ao nascer
Com olhos rasos de lezíria
De boca em boca passar o saber
Com os provérbios que ficam na gíria
De que nos vale esta pureza
Sem ler fica-se pederneira
Agita-se a solidão cá no fundo
Fica-se sentado à soleira
A ouvir os ruídos do mundo
E a entendê-los à nossa maneira
Carregar a superstição
De ser pequeno ser ninguém
E não quebrar a tradição
Que dos nossos avós já vem
Rui Veloso
2. Rui poderia acrescentar a essa letra que há uma alienação das letras, também. Do outro lado do Atlântico, não é o terço nem a reza que aliena - é, sobretudo, a letra, aquela maneira muito especial de ler as letras à imagem das prédicas. Talvez essa leitura seja pior do que a desleitura - não?
3. Não, não. Pior é a desleitura mesmo. A leitura dirigida, ao menos, deixa ao dirigido a possibilidade de desler. Não foi o que fez Menocchio? Desleu. Morreu por isso. Mas desleu.
Isabel Silvestre
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
PS. sim, senhores, eu sei, há exceções. Mas são isso que são - exceção. Porque também entre o povo dos vultos furtivos acende, aqui e ali, a luz da consciência. Pouca e parca, é verdade, mas acende. Uma aqui, outra ali, bastante apenas para desdorir apenas as próprias almas assim despertas. Mas é pouco. É nada. É quase nada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário